Ex-ministra afirma que se considera isenta e que poderia ter coordenado o PAS
Petista, que negou que fará oposição ao governo na volta ao Senado, disse que seu sucessor é "qualificado" para vaga no Meio Ambiente
Com a exoneração publicada no "Diário Oficial" da União e ainda sem ter conversado com o presidente Lula sobre a decisão de deixar o Ministério do Meio Ambiente, Marina Silva (PT-AC) apontou ontem o risco de retrocesso no combate ao desmatamento na Amazônia, cujo ritmo voltou a crescer.
"É melhor ter o filho vivo em colo de outro do que vê-lo jazendo em seu próprio colo", afirmou a ex-ministra, numa referência ao título de "mãe do PAS" (Plano Amazônia Sustentável) dado a ela por Lula na semana passada. "Não podemos aceitar nenhum tipo de retrocesso", insistiu a petista na primeira entrevista desde que se demitiu, na terça-feira. Marina assumirá sua vaga no Senado.
Ao longo de quase duas horas de entrevista, a senadora apontou pressões contra a política de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Os principais alvos dessas pressões seriam: 1) a exigência de licença ambiental na concessão de crédito a partir de julho; 2) a criação de novas áreas de conservação ambiental; e 3) a restrição de que os proprietários de terras na Amazônia não desmatem mais do que 20% de suas áreas.
Marina, 50, evitou prognósticos sobre a gestão de seu sucessor na pasta. Disse que Carlos Minc é um ambientalista "qualificado" para a tarefa, mas afirmou desconhecer em que termos o ex-secretário do Ambiente do Rio aceitou, por telefone, o convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Conheci o Minc quando ele ainda tinha cabelo. E corre o risco de perder mais", disse a ex-ministra sobre as dificuldades que o sucessor deve encontrar no comando do Meio Ambiente. Os obstáculos, segundo a petista, não decorrem do fato de Minc ter declarado desconhecer a Amazônia: "Eu não faria essa simplificação, nenhum ministro é capaz de conhecer questões de A a Z".
Marina adiantou que não voltará ao Senado como voz de oposição ao governo. Da tribuna, disse que fará a defesa do desenvolvimento e da preservação da Amazônia, ajudará o "colega" Minc e "meu presidente Lula, que ajudei a eleger". E completou: "Rogo a Deus para ele [Minc] fazer mais e melhor do que eu".
Pressões
Marina Silva apontou a origem de pressões para rever medidas de combate ao desmatamento, que voltou a crescer no segundo semestre do ano passado. Segundo ela, "há um tensionamento muito forte" vindo de Mato Grosso e de Rondônia, especificamente os governadores Blairo Maggi (PR-MT) e Ivo Cassol (sem partido-RO).
Maggi contesta dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que apontam o aumento do desmatamento -sem definição exata da área- com base em imagens de satélites. "Para que serve um sistema de alerta? O que poderemos fazer quando o aumento do desmatamento tiver se consumado?", reagiu.
Mais de uma vez durante a entrevista coletiva, ela defendeu que o governo resista às pressões para mudar resolução aprovada em fevereiro pelo Conselho Monetário Nacional com restrição ao crédito a propriedades que não tenham licença ambiental.
Outra fonte de pressão, segundo a ex-ministra, está atrasando a criação de novas áreas de conservação ambiental. Na quinta passada, a Casa Civil bloqueou a criação da reserva extrativista do Xingu, no Pará. Marina alega que, nos primeiros quatro anos de governo Lula, 20 milhões de áreas de conservação foram criadas, contra apenas 3 milhões no segundo mandato: "É só fazer a média e ver que o ritmo caiu".
Decisão dolorosa
Dois dias depois de oficializar a saída do governo, Marina afirmou ontem que essa foi "uma decisão difícil, um processo doloroso".
A ex-ministra disse que respeita a decisão de Lula de entregar ao ministro Mangabeira Unger a coordenação do Plano Amazônia Sustentável, mas contestou a avaliação, feita pelo presidente, de que não teria isenção para assumir a tarefa. "Ser isento é ter um ponto de vista e ser capaz de mediar levando em conta o ponto de vista do outro. Me considero uma pessoa isenta", disse.
Lula
Marina contou que não havia conversado com o presidente desde que comunicou a decisão de deixar o governo por meio de carta, levada ao Palácio do Planalto por um portador. "O contato [com o presidente Lula] até agora ficou na carta, a carta diz tudo."
A petista comentou também a avaliação do Planalto de que transformou a sua demissão em espetáculo. "Não foi em hipótese alguma [um ato de rebeldia], foi de uma forma muito respeitosa", respondeu.
Planos
A ex-ministra do Meio Ambiente não pensa em sair do PT, afirmou. Pelo partido ao qual se filiou em 1985, pretende disputar, em 2010, novo mandato no Senado. "Saio do governo para ir para a tribuna do Senado, lutar a favor do desenvolvimento sustentado", disse.
Antes de retomar o mandato como representante do Acre, os planos de Marina se resumem a aproveitar o feriado para terminar trabalhos do curso de psicopedagogia que freqüenta na UnB (Universidade de Brasília). "Sou uma professora de história, alfabetizada aos 16 anos de idade e disso não me esqueço", completou.
(Por Marta Salomon, Folha de São Paulo, 16/05/2008)