Em carta aberta, o comitê científico do Programa de Grande-Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), cuja história está intimamente relacionada com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), se refere ao debate provocado pelo aumento do desmatamento na Amazônia. O alerta dado pelo Inpe em janeiro deste ano fez, de acordo com a carta, com que interessados na continuação do desmatamento, passassem a questionar a qualidade dos levantamentos feitos pelo instituto. O Comitê Científico defende o trabalho sério e competente do instituto.
O Comitê Científico do LBA reitera no documento divulgado ao público, a seriedade e a competência do Inpe no monitoramento que realiza e afirma que "a Amazônia é grande e importante demais para ficar sujeita a visões simplistas e utilitaristas".
Carta aberta do Comitê Científico do LBA
O Programa de Grande-Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA) é uma iniciativa interdisciplinar que busca entender o funcionamento dos ecossistemas amazônicos e estudar o sistema amazônico como uma entidade regional, assim como as causas e efeitos das mudanças em curso na região. A pesquisa no LBA é orientada pelo reconhecimento de que a Amazônia está sob rápida e intensa transformação, relacionada ao processo de desenvolvimento e ocupação. Assim, busca-se entender como as mudanças no uso e cobertura da terra e no clima poderão afetar os processos biológicos, químicos e físicos, e também o desenvolvimento sustentável na região, além de sua interação com o clima regional e global.
O histórico do LBA está intrinsecamente ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), desde o início de seu planejamento em 1993. A partir da aprovação do Plano Científico do LBA em 1996 até 2002, o INPE abrigou o escritório central do programa – hoje instalado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) –, contribuindo para a formação de uma comunidade científica interdisciplinar bastante produtiva. Vários pesquisadores daquela instituição estão na origem do LBA e continuam atuando até hoje neste Programa que têm gerado resultados reconhecidos nacional e internacionalmente sobre e para a Ciência Amazônica.
Nos últimos 4 meses, a Amazônia novamente tornou-se foco de intenso debate, como conseqüência de um alerta feito pelo INPE, a partir de dados do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (DETER), referente a um aumento significativo nos índices de desmatamento entre outubro de 2007 e fevereiro de 2008, em relação ao mesmo período do ano anterior. O assunto chamou a atenção dentro e fora do Brasil e também da mídia. Esse debate tem sido importante para esclarecer a opinião pública sobre a complexidade do processo de desmatamento e ocupação da Amazônia, assim como de seu monitoramento.
No entanto, em vez de contribuir com um debate profundo sobre as causas que levaram ao aumento repentino do desmatamento na região, alguns interlocutores do Brasil Central e da Amazônia, interessados na continuação do processo de desmatamento, passaram a questionar a qualidade dos levantamentos feitos pelo INPE. Nesse contexto, o Comitê Científico do LBA faz as seguintes considerações.
Hoje sabemos com mais propriedade as características e objetivos dos dois sistemas de monitoramento do desmatamento desenvolvidos pelo INPE. O DETER, que utiliza imagens de satélite com moderada resolução espacial e alta resolução temporal, tem a função de monitorar o processo de desmatamento e degradação da floresta e não foi desenvolvido com a função de estimar a área total desmatada na Amazônia. Produz análises quinzenais que orientam ações expeditas do poder público em tempo quase real. Já o PRODES utiliza imagens de satélite com alta resolução espacial e baixa resolução temporal. Sua função é contabilizar anualmente a área total desmatada (corte raso) na região. Ambos os sistemas são espacialmente explícitos e com interface para usuários na Internet. Suas características estão descritas no sítio do INPE (www.obt.inpe.br).
A questão do desmatamento da Amazônia e de seu monitoramento não é simples e não tem receita única. Os processos de mudança de uso e cobertura da terra naquela região são dinâmicos, móveis e conseqüentes de fatores biofísicos e humanos. O uso de sensores remotos para a execução desse monitoramento é fundamental, propiciando uma visão sinóptica sobre o processo. Nesse sentido, o INPE tem prestado um serviço inestimável ao país, através do desenvolvimento e implementação de sistemas de monitoramento do desmatamento de reconhecida excelência e pioneirismo, inclusive pela comunidade científica internacional. As prestigiosas revistas científicas internacionais como Science, em 2007, e Nature, em 2008, destacaram em editoriais a importância e qualidade dos sistemas de monitoramento de desmatamento desenvolvidos pelo INPE.
Apesar dos resultados científicos importantes produzidos recentemente sobre o entendimento da dinâmica de uso e cobertura da terra na Amazônia, tendências recentes como o crescimento da pecuária de corte, o avanço da cultura da soja, os programas de agroenergia e os diferentes modelos de exploração madeireira podem resultar em continuidade de altos índices de desmatamento na utilização dos recursos naturais pelos agentes humanos, gerando impactos ambientais e conseqüências sociais.
Estão em curso importantes mudanças nos sistemas de produção na Amazônia. É importante estudarmos até que ponto a dinâmica da conversão dos sistemas atuais de produção na Amazônia para sistemas produtivos mais intensivos – incluindo atividades agrossilvopastoris, exploração florestal sustentável e valorização dos serviços ambientais dos ecossistemas – afeta o funcionamento físico, biológico e hidrológico da região, objetos da segunda fase do Programa LBA que ora se inicia.
A Amazônia é grande e importante demais para ficar sujeita a visões simplistas e utilitaristas. Apenas uma visão enriquecida por conhecimentos científicos e tecnológicos pode colocá-la no caminho de um desenvolvimento sustentável aliado à conservação de suas florestas, cujos serviços ambientais tornam-se cada dia mais valorizados e essenciais para a qualidade de vida da população brasileira. O Comitê Científico do LBA reconhece a seriedade e competência do INPE no monitoramento do desmatamento na Amazônia e incentiva sua continuidade e desenvolvimento, com resultados de alto valor para a comunidade científica e para sociedade.
(ISA, 13/05/2008)