Ladrões saquearam o mercado de farinha da cidade em plena luz do dia há poucas semanas, atirando e ferindo duas pessoas antes de escaparem com seu saque. "Nós não estamos nos sentido seguros", disse Haji Hayatullah, um dos vendedores de farinha, sentado no chão de sua loja com sacos de farinha empilhados ao seu redor. "Nós não temos segurança e não confiamos no governo para fornecê-la." Os vendedores se uniram e contrataram oito guardas de segurança privados.
Mas o temor deles persiste, não apenas com os homens armados, mas também com a crescente fome e desespero da população em geral. Apesar de ainda não terem ocorrido tumultos no Afeganistão devido à alta dos preços dos alimentos, a dor econômica e fome estão atingindo os pobres e desempregados, alertaram representantes de agências humanitárias. Professores ameaçam fazer greve e já ocorreram algumas manifestações iradas.
"Os preços são um grande problema para nosso povo. As pessoas não cultivam o suficiente e dependemos de produtos importados do Paquistão, e os preços estão subindo diariamente", disse Haji Hayatullah. "É muito difícil para as pessoas, o desemprego é um grande problema, as pessoas estão muito pobres." "Eu temo que se isso continuar, as pessoas saquearão o mercado", ele disse.
O Afeganistão está em uma situação particularmente implacável, disse Anthony Banbury, diretor para Ásia do Programa Mundial de Alimentos da ONU, durante uma recente visita a Kandahar. Não é apenas um dos países mais pobres, mas está lidando com um conflito prolongado e todos os problemas que acompanham de falta de lei, deslocamento, mercados mal desenvolvidos e infra-estrutura destruída, o que deixa a população especialmente vulnerável aos choques de preços, ele disse.
"Para milhões de afegãos, os segmentos mais pobres da sociedade, que gastam até 70% de sua baixa renda em alimentos, estes aumentos de preços colocam suas necessidades básicas simplesmente fora de alcance", disse Banbury. Seis milhões de pessoas no Afeganistão, entre uma população de cerca de 32 milhões, já recebem ajuda alimentar, e o Programa Mundial de Alimentos está se preparando para ajudar mais.
Ele concordou com o governo em retomar um plano de assistência aos pobres urbanos por meio das padarias, um programa que realizou durante os anos do governo do Taleban, mas que suspendeu após a invasão liderada pelos americanos no final de 2001. O governo também está pedindo por ajuda para fornecer alimentos para 172 mil professores por todo o país, já que alguns deles nem estão indo trabalhar porque não conseguem se sustentar com o que ganham. Isto por si só é um indício de que as coisas estão ficando mais difíceis, ele disse.
"Em todas as escolas em que estivemos, em todas as salas de aula, os professores disseram que precisam de um salário maior ou de alimentos", disse Banbury. "As pessoas estão morrendo de fome", disse um pedinte, Sardar Muhammad, 80 anos, agachado em uma loja de farinha em Kandahar. Seus dois filhos trabalham como diaristas no mercado mas não ganham o suficiente para alimentar a família, ele disse.
Os preços da farinha e do pão repentinamente dobraram em um espaço de duas semanas, em maio, após o vizinho Paquistão ter bloqueado as exportações de trigo e farinha. Os mercadores dizem que contrabandeiam a farinha pelas estradas nas montanhas. A distribuição de farinha pelo governo na cidade de Kandahar e nos distritos ao redor reduziu ligeiramente os temores, e o preço da farinha caiu um pouco.
Mas com a inflação a 22%, os preços permanecem altos demais para muitos. Haji Hayatullah descreveu como um freguês chegou até sua loja e pediu ao lojista que carregasse um saco de farinha em sua bicicleta. "Então ele disse: 'Não me peça para pagar. Por toda minha vida eu nunca aceitei suborno, nunca tomei nada de ninguém e agora sou forçado a levar isto sem pagar. Meus filhos estão sem comer'", disse o homem segundo o lojista.
"Ele disse: 'Eu voltarei se Deus me der dinheiro'", ele continuou. O episódio foi incomum porque o homem era claramente uma pessoa respeitável, educada, e é altamente vergonhoso na cultura afegã pegar algo desta forma, disse o lojista. "Eu percebi que ele tinha um problema real", ele disse. "Coisas assim vão ficar cada vez pior, porque o que você vai fazer se não tiver dinheiro e tiver esposa e filhos?", ele disse.
O governo afegão foi um dos primeiros a ver a crise de alimentos se formar, e em janeiro apelou pela ajuda do Programa Mundial de Alimentos, que levantou US$ 75 milhões para seis meses de assistência complementar, disse Banbury. O governo está gastando US$ 50 milhões na distribuição geral de farinha. Planos estão em andamento para aumentar a assistência do Programa Mundial de Alimentos nos próximos seis meses.
Autoridades do Programa Mundial de Alimentos disseram que a ajuda alimentar não é uma resposta de longo prazo para a fome no Afeganistão. Apesar dos bilhões gastos no Afeganistão nos últimos seis anos, os doadores internacionais fracassaram em investir substancialmente em agricultura, o setor do qual vive a maioria da população, disse Banbury. Ele pediu por um programa nacional em grande escala para distribuição de ferramentas e sementes melhoradas para os agricultores para ajudar a aumentar a produção de alimentos. "Os agricultores são as pessoas mais racionais do mundo", ele disse. "Se você lhes der as sementes, eles farão sua parte."
(Por Carlotta Gall, The New York Times, tradução de George El Khouri Andolfato, UOL, 16/05/2008)