O Ministério Público Federal (MPF) em Criciúma ajuizou ação civil pública (ACP) contra Fernando Portugal Muniz e Luiz Sérgio Tondo, pedindo a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais causados à comunidade indígena Campo Bonito. Algumas famílias do grupo foram removidas para uma propriedade de Muniz com o objetivo de forçar a compra da área pela Fundação Nacional do Índio (Funai), provocando a cisão da comunidade e deixando essas famílias sem a assistência garantida por lei.
A comunidade Campo Bonito, composta por aproximadamente onze famílias de indígenas da etnia Guarani M’bya, vivia há anos acampada às margens da BR-101, no município de Torres (RS). Como parte do projeto de duplicação da rodovia federal, foi prevista a aquisição de terras para a realocação das comunidades indígenas situadas nas suas margens. Com esse objetivo, a Funai e o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT) firmaram um convênio pelo qual a Funai, com o auxílio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), selecionaria as áreas adequadas e o DNIT repassaria a verba para adquiri-las.
No município de Morro Grande (SC), foram vistoriadas quatro áreas, entre elas a da Fazenda Rio da Casa Branca, de Fernando Portugal Muniz. Após análise da FUNAI, optou-se pela aquisição de uma área de 94 hectares, localizada no município de Torres (RS), posteriormente denominada Terra Indígena Campo Bonito. Essa área fica a apenas seis quilômetros do antigo acampamento da comunidade.
A decisão da Funai, no entanto, foi contrária à intenção de Fernando Muniz e Luiz Sérgio Tondo, corretor de imóveis que representava os interesses de Muniz, de vender a propriedade para a Fundação. Como forma de forçar a compra da área pela Funai, Tondo cooptou o cacique Horácio Lopes, chefe da comunidade Campo Bonito, convencendo-o a levar o grupo de famílias para a área da Fazenda Rio da Casa Branca. Em 30 de outubro de 2007, utilizando-se de um ônibus e um caminhão que contratara, Tondo promoveu, sem o conhecimento da FUNAI, a mudança de parte dos indígenas, já que quatro das famílias se rebelaram contra a influência do corretor de imóveis e se negaram a acompanhar o cacique, optando por ocupar a área adquirida pela FUNAI em Torres.
Conforme a ação do MPF, a propriedade de Fernando Portugal é uma fazenda abandonada, onde não há qualquer espécie de cultivo ou aproveitamento econômico. Uma série de problemas torna a Rio da Casa Branca imprópria para o assentamento da comunidade indígena, visto que ela se situa ao pé da Serra Geral, em área com intensa declividade, drenada por diversos cursos d’água e recoberta por mata atlântica intocada, sendo boa parte de sua área definida como de preservação permanente. Além disso, para se chegar à fazenda, é necessário atravessar dois rios, por dentro do seu leito, pois não existe ponte. A dificuldade de acesso acaba tornando difícil a assistência aos indígenas, como o transporte de mantimentos e medicamentos, e inviabilizando a educação das crianças, já que a escola municipal mais próxima fica a mais de 10 km da fazenda e o transporte escolar não consegue chegar ao local.
Como se não bastassem os obstáculos geográficos, a região oferece riscos às pessoas que lá vivem. Em decorrência do regime hidrológico, com elevação repentina do nível dos rios, e da proximidade com a mata, com a presença de felinos de grande porte, especialmente as crianças ficam expostas ao perigo. Esses riscos não são apenas potenciais, uma vez que já houve o desaparecimento de uma criança indígena, que voltava sozinha para casa no dia seguinte ao da remoção das famílias para a fazenda.
A Funai também foi incluída como ré na ACP por sua omissão no dever de prestar assistência (fornecimento de alimentação, saúde e educação) aos indígenas da comunidade Campo Bonito, instalados na Fazenda Rio da Casa Branca. Além disso, a Fundação tem se omitido na solução do problema fundiário, deixando de buscar uma solução para a colocação da comunidade, seja convencendo o cacique Horácio a retornar para Torres ou procurando uma nova área.
O procurador da República Darlan Airton Dias, autor da ação, requer que Fernando Muniz e Luiz Tondo, além de serem condenados ao pagamento de indenização não inferior a 200 mil reais, sejam impedidos de manter qualquer contato, direto ou indireto, com os indígenas da comunidade Campo Bonito, mesmo com aqueles que estão acampados na Fazenda Rio da Casa Branca. O procurador pede também que seja determinado à FUNAI fornecer, no prazo de cinco dias, assistência integral aos indígenas, providenciando alimentação e assistência emergencial à saúde, e resolver o problema fundiário da comunidade.
ACP nº 2008.72.04.001445-3
(Ascom MPF-SC, 14/05/2008)