O professor Mauro Schumacher coordena uma pesquisa inédita no Rio Grande do Sul. A pesquisa objetiva estudar a água, o solo, os nutrientes do solo em locais onde há plantação de árvores exóticas. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Schumacher fala não apenas do mais recente zoneamento ambiental, mas revela dados técnicos da influência que a silvicultura pode ter em nosso meio ambiente. Segundo o professor, que não se envolveu diretamente com esse zoneamento, “não podemos pegar a região do planalto, por exemplo, para plantar eucalipto e pínus, porque lá é um celeiro da produção de alimentos”, mas também “não podemos imaginar uma Metade Sul tapada com eucaliptos! Não podemos plantar indiscriminadamente eucalipto”.
Mauro Schumacher é engenheiro florestal pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com mestrado em Ciências Florestais, pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, e doutorado em Ecologia e Nutrição Florestal, pela Universität Für Bodenkultur, na Áustria. Atualmente, é professor da UFSM. É autor de inúmeros livros que tratam de florestas, tais como A floresta e a água (Porto Alegre: Pallotti, 1998), A floresta e o solo (Porto Alegre: Pallotti, 1999) e A floresta e os animais (Porto Alegre: Pallotti, 2001).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião, como pesquisador, sobre o novo zoneamento ambiental da silvicultura, apresentado há cerca de um mês, no Rio Grande do Sul?
Mauro Schumacher – Eu não me envolvi diretamente com essa nova proposta, não da mesma forma que no primeiro zoneamento. Esse novo zoneamento foi feito com o auxílio do pessoal do atual governo do estado pela Fepam e junto com entidades envolvidas no Consema. Soube pela imprensa a seu respeito e conheço as mudanças que traz, mas sei que ele está sujeito a novas readequações, melhorias e complementações. Pelo menos, essa é a informação que tenho.
Se olharmos para Metade Norte, Central e Leste do Rio Grande do Sul, veremos que, há algumas décadas, o aumento do desenvolvimento dessa região se deu em cima de uma ocupação de grande áreas de maciços florestais. Hoje, estamos passando por uma situação em que as pessoas estocam alimentos com medo da crise nessa área, ou seja, no setor agrário. Além disso, também temos uma demanda muito grande por subprodutos das plantações exóticas. No zoneamento inicial, a proposta era para que a cultura de árvores exóticas se desse na Metade Norte, em cidade como Passo Fundo, Cruz Alta, Ijuí. Toda aquela região foi indicada para o plantio de árvores. No entanto, é dessa região que saem os nossos alimentos hoje.
Então, o que eu vejo é o seguinte: a silvicultura é uma realidade, como temos a agricultura. Percebo a silvicultura como uma maneira de tanto pequenas quanto grandes empresas obterem uma fonte econômica que renda e traga algum ganho financeiro.
IHU On-Line – Mas como essa silvicultura será feita e com que amplitude?
Mauro Schumacher – Nós precisamos considerar alguns parâmetros. Nem todas as áreas estão aptas dentro da Metade Sul do estado. Em cidades como Alegrete, Manoel Viana, São Francisco de Assis etc., que têm o solo sujeito à arenização, a ação antrópica das últimas décadas tem levado a uma alteração muito grande desse bioma e, em alguns casos, de maneira irreversível, com alguns cânions, em que existem alguns hectares com solo exposto, totalmente arenoso. Através da silvicultura, podemos contribuir para a melhoria, na recuperação parcial e gradativa desses ecossistemas, desse bioma alterado. No ano passado, tivemos batalhas muito grandes e todo mundo, no Rio Grande do Sul, de repente, virou ambientalista, ou seja, começou a se preocupar com a cultura de florestas exóticas.
Eu acredito que tenhamos, hoje, uma série de problemas para nos preocuparmos. Sem dúvida, a permanência e a capacidade de reprodução dos recursos hídricos são muito importantes. O solo e sua qualidade e, por conseqüência, a água, como eu dizia, assim como a biodiversidade e outra série de parâmetros, devem ser preservados. Qualquer prática, como a silvicultura, precisa ser conduzida dentro de um conceito de zoneamento que leve e assegure a integridade desses ecossistemas e dos fatores do meio onde vivemos.
IHU On-Line – O senhor está coordenando uma pesquisa inédita no estado, que tem o objetivo de estudar a água, o solo, os nutrientes do solo etc., e um dos ambientes a ser estudado é uma fazenda da Votorantim. O senhor já tem dados que são capazes de revelar o que acontece nessas áreas devido à introdução de plantas exóticas?
Mauro Schumacher – Veja bem: agora você tocou num ambiente muito importante. Essa nossa pesquisa merece um rápido e breve histórico: nós começamos há cinco anos e somos os primeiros pesquisadores do estado que têm dados da Floresta Estacional Decidual da região de Itaara, muito próximo à Santa Maria. Ali, nós estamos mostrando a importância que tem essa cobertura florestal nativa e entendendo como uma mata nativa consegue se manter muitas vezes sob solos pedregosos e rasos, sob um solo em que, talvez, nenhuma outra espécie conseguiria se adaptar. Nós percebemos, então, que, pela entrada da água da chuva, existe uma devolução muito grande de elementos como potássio, cálcio e magnésio. Vimos também que a floresta nativa pode interceptar até 19% da água que chove em cima dela e, presa na copa, volta para a atmosfera.
Falando agora do eucalipto, temos plantação dele em Candiota, Bagé, nos Campos de cima da Serra e na parte central do Rio Grande do Sul. O nosso objetivo desde o começo, na universidade e como pesquisador na área de ecologia florestal, é entender o que acontece, por exemplo, quando transformamos um campo nativo, um campo alterado, numa plantação, ou seja, na silvicultura. Percebemos que tanto no pínus quanto no eucalipto há uma lavagem. Esse conjunto de árvores funciona como uma espécie de filtro na atmosfera e, na medida em que chove, os gases, essa poeira, esses aerossóis, são arrastados para o solo. Então, esses elementos são integrados e passam circulando no interior desse plantio. Claro que isso acontece diferentemente de como ocorre numa mata nativa, onde temos vários extratos. Ou seja, trata-se de uma complexidade diferenciada. A volta de nutrientes dentro da mata nativa é bem maior do que, por exemplo, do que numa plantação. Nós vamos para o terceiro ano de pesquisa e já temos alguns resultados, mas, quando chegarmos ao sétimo ano, que é o momento do corte do eucalipto, saberemos o que há de nutrientes armazenados nas folhas, nos galhos, na casca, na madeira, nas raízes do eucalipto. Só depois poderemos fazer um levantamento de reposição nutricional a tal ponto que poderemos assegurar a capacidade reprodutiva daqueles solos, ou seja, pensando no seu aspecto fertilizante. Esse tipo de estudo também é desenvolvido na Austrália, na África do Sul, em São Paulo e em Minas Gerais, mas a parte de solução, de monitorar o que está descendo pelo solo, é inédita.
IHU On-Line – Mas quais são os prejuízos que as florestas podem causar para a Metade Sul do estado?
Mauro Schumacher – Não podemos pegar a região do planalto, por exemplo, para plantar eucalipto e pínus, porque lá é um celeiro da produção de alimentos. No entanto, precisamos de madeira e papel e por isso precisamos de área para plantar. Hoje, temos cerca de 500 a 520 mil hectares e há uma projeção de termos, nos próximos anos, cerca de um milhão de hectares para plantação. O que isto representa para o Rio Grande do Sul? No ano passado, comentou-se que essas plantações irão secar nossos rios, que faltará água, comprometendo as nossas nascentes, e assim por diante. Há algumas décadas, a silvicultura carecia de uma série de informações técnico-científicas mais aprimoradas para que pudesse ocupar e se distribuir pelo estado. O que eu quero dizer com isso? Nós não podemos imaginar uma Metade Sul preenchida por eucaliptos! Não podemos plantar indiscriminadamente eucalipto. Dizem que temos, no pampa, um deserto verde. Deserto não é porque em Alegrete costuma chover mais de 1300 milímetros e para ser um deserto deveria chover menos de 1200 milímetros. Na verdade, o que precisamos, sim, é planejar a ocupação. Quem tem ido à Metade Sul do Rio Grande do Sul irá se deparar com um cenário bastante horripilante a ponto de acharmos que não estamos no Rio Grande do Sul. O que podemos fazer e como podemos usar a silvicultura como alternativa de renda? Qualquer atividade que não for planejada e não obedecer não apenas a um zoneamento, mas a uma série de princípios ambientais, prejudica o meio ambiente.
(Instituto Humanitas Unisinos, 15/05/2008)