Trinta anos depois de chocar a Noruega com um vídeo que relatou a ocupação de terras indígenas pela Aracruz Celulose no Espírito Santo, a entidade norueguesa Norwegian Church Aid está de volta ao Estado. Desta vez, quer documentar o poder da empresa dentro da política e os impactos sobre as comunidades quilombolas que vivem ilhadas pelos eucaliptais.
A entidade quer saber como anda a situação da transnacional e como funciona o financiamento de campanhas políticas pela empresa. Pesquisa também sobre a situação dos quilombolas, a ocupação de terras tradicionalmente negras pela empresa, e a situação em que estas comundiades vivem atualmente.
Para muitos noruegueses, a real atuação da empresa é ainda desconhecida. Há trinta anos, o primeiro vídeo causou revolta entre a população do País, ao conhecerem a forma com que os índios tiveram suas terras tomadas, assim como a quantidade de matas destruídas pela transnacional para o plantio de seus eucaliptos, entre outras ilegalidades cometidas pela empresa. Isso porque, a Aracruz Celulose pertence a Erling Sven Lorentzen, filho de um herói de guerra e marido da princesa Ragnhild, irmã do rei Harald V.
O antigo vídeo relatava que as terras indígenas no Estado foram repassadas à empresa como um presente da ditadura militar ao empresário Erlin Sven Lorentzen, e para isso, todos os pedidos feitos pela empresa foram atendidos. Na prática, a Aracruz Celulose foi instalada com dinheiro brasileiro. Depois seu comando e os lucros foram entregues ao norueguês, restando ao Estado apenas os graves problemas ambientais, sociais e econômicos gerados por ela.
A empresa destruiu 50 mil hectares de mata atlântica, ocupou terras indígenas e quilombolas e ocupou terras devolutas. Para pressionar os índios Tupinikim a deixar suas terras, a Aracruz Celulose chegou a contratar um dos maiores pistoleiros da história do Espírito Santo, o major PM Orlando Cavalcante. No total, a Aracruz Celulose tomou 40 mil hectares de terras, das quais o próprio governo federal reconhece como terras indígenas 18.070 hectares.
A Aracruz também pressionou os negros, e para isso utilizou como seu principal testa-de-ferro o tenente Merçon, do Exército. No máximo, o militar consentia em pagar valores irrisórios aos que resistiam. Os negros então foram forçados a abandonar cerca de 50 mil hectares em todo o Estado, a maioria em favor da empresa. Vieram depois os plantios de eucalipto e a destruição ambiental em toda a área. A entidade quer saber o impacto disso tudo aos quilombolas.
Pouco desta realidade chegou à Noruega, a não ser por vídeos como este feito pela Norwegian Church Aid. A última das informações que chocou a comunidade norueguesa e gerou inclusive a iniciativa da coroa de se desfazer de suas ações da empresa foi a ação da Polícia Federal em Aracruz. Tratava-se de uma ação de reintegração de posse a favor da transnacional em que 13 índios foram feridos, uma grávida foi obrigada a fugir entre os eucaliptais e duas aldeias foram destruídas.
Essa atuação da Polícia Federal contou com apoio logístico da própria Aracruz Celulose, já que caminhões da empresa foram usados, assim como sua casa de hóspedes.
Ainda assim, no Estado a empresa é constantemente homenageada pelos políticos, como os deputados estaduais, financiados pela empresa. E este é outro aspecto que será abordado pelo novo vídeo. Através de entrevistas, a entidade norueguesa vem colhendo informações sobre o poder da empresa dentro da política do Estado.
As doações de campanha são legais, mas imorais, como apontam os críticos do financiamento das campanhas eleitorais, pois gera débitos morais como o de proteger os interesses das empresas, mesmo que elas degradem o Estado, como faz Aracruz Celulose.
Os plantios monoculturais do eucalipto são vorazes consumidores de água. Neles são empregadas as chamadas capinas químicas, que são feitas com um coquetel de venenos agrícolas. Os agrotóxicos causam contaminação da água e do solo, matando a fauna e a flora. Os poucos quilombolas que resistem em meio aos eucaliptais são afetados: são contaminados e há vários registros de mortes entre os atingidos.
A Aracruz Celulose é presidida pelo brasileiro Carlos Augusto Lira Aguiar, engenheiro químico, nascido em 1945, em Sobral, no Ceará.
(Por Flávia Bernardes,
Século Diário, 15/05/2008)