Em audiência que discutiu, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, nesta quarta-feira (14/05), a definição do território da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o representante da Fundação Nacional do Índio (Funai) Paulo Santini, informou que o processo de demarcação das terras já está consolidado. Ele disse que cerca de 290 produtores de arroz já foram indenizados pelas benfeitorias feitas nas terras, que pertencem à União, o que representou um montante de mais de R$ 12 milhões.
Santini afirmou que o processo de reconhecimento dessas terras como sendo tradicionalmente dos indígenas durou três décadas. Nesse período, grupos de técnicos encontraram "abundância" de elementos antropológicos que comprovam a ocupação milenar dos povos indígenas daquela região, como a língua e as narrativas utilizadas por essa população. Disse ainda que esse processo foi amplamente debatido em várias instâncias e que as reservas de Raposa Serra do Sol e de São Marcos foram as mais contestadas, especialmente pelo próprio governo de Roraima, bem como por prefeituras de municípios do Estado.
O ex-presidente da Funai e indigenista especialista em relações com índios isolados Sydney Possuelo lembrou que a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol foi seu último ato como presidente da Funai e afirmou que a medida não é aceita por muitas "forças" envolvidas com poder militar, político ou com interesses econômicos na região. Ele ressaltou que a demarcação cumpre dispositivo constitucional, e que está sendo feita com atraso, uma vez que a Constituição havia previsto as demarcações até 1993.
Também o professor de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), César Augusto Baldi, defendeu a constitucionalidade da demarcação das terras da reserva Raposa Serra do Sol. Ele observou que os direitos dos índios são assegurados pela Constituição e, portanto, eles não possuem direitos especiais, como alegam políticos locais contrários à demarcação.
Terras
Para César Baldi, o racismo que separa brasileiros e índios deve ser rechaçado, bem como o argumento de que os indígenas têm terra em demasia. Ele informou que a reserva Raposa Serra do Sol representa 7,7% do território de Roraima e, em sua opinião, há terra demais utilizada pelo agronegócio.
Segundo o professor, os arrozeiros se instalaram e ampliaram suas lavouras quando o processo de demarcação já estava em curso e a resistência dos arrozeiros se deu pela implosão de pontes e barreiras, bem como pela destruição de bens públicos. Ele informou, como exemplo, que nas comemorações indígenas pela finalização da demarcação, em setembro de 2005, um bando armado invadiu e incendiou a única ponte de acesso ao território. Atos como esse, segundo denúncia da Organização das Nações Unidas (ONU), foram coordenados por grupos ligados ao então prefeito de Ipacaraima, o maior produtor de arroz da região.
O coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Sateré, afirmou que há muitos preconceitos e mitos em relação às terras indígenas. Como exemplo, destacou o argumento, que considera falso, de que esses territórios constituiriam risco à segurança nacional. Ele afirmou que sempre foi permitida a presença de militares nos territórios indígenas e o que Exército tem sido contatado para realizar ações conjuntas. Sateré não concordou também com a afirmação de que as terras destinadas aos índios estão em demasia. Ele contou que existem muitos grileiros e proprietários de terras na região que possuem grande extensão de terra.
Sateré disse confiar que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida com justiça em relação às ações contrárias à demarcação que tem recebido. Em sua opinião, uma decisão contrária aos direitos dos índios ocasionará graves problemas em outros territórios indígenas e significará um retrocesso dos direitos conquistados por esses brasileiros.
A advogada indígena Joênia Batista de Carvalho (Joênia Wapixana), que é integrante da delegação brasileira no Fórum Permanente dos Povos Indígenas da ONU, apelou ao Congresso Nacional para que defenda e reafirme os direitos e garantias constitucionais, o que inclui os direitos dos indígenas. Apelou ainda ao STF para que confirme os direitos já conquistados por eles. A advogada lembrou que a reserva Raposa Serra do Sol foi reconhecida num processo legal e, portanto, a violação aos direitos humanos de sua população não pode continuar.
O senador Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC) sugeriu que o STF promova uma sessão especial externa e se desloque a Roraima para "sentir com mais precisão o que se passa". Ele também defendeu que o assunto seja debatido no Senado em outras audiências públicas.
A presidente da Assembléia Legislativa de Roraima, Aurelina Medeiros, pediu que uma comissão de parlamentares fosse ao estado para definir a situação e evitar maiores conflitos. Ela lamentou que o ministro da Justiça, Tarso Genro, tenha ido a Roraima e não tenha conversado com o governador para conhecer o assunto. Segundo ela, os índios estão vivendo em situação "deprimente" e algumas etnias estão "morrendo por inanição".
Na opinião da senadora Fátima Cleide (PT-RO), há "muita falácia" no discurso dos que se opõem à demarcação. Ela afirmou que o ministro Tarso está atuando de forma corajosa em relação ao assunto.
A audiência, uma iniciativa do senador Sibá Machado (PT-AC), contou com a presença de deputados estaduais de Roraima, bem como de deputados federais que representam o estado.
(Por Iara Farias Borges, Agência Senado, 14/05/2008)