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marina silva política ambiental brasil
2008-05-15

As demonstrações de fidelidade da ex-ministra do meio ambiente Marina Silva ao presidente Lula levavam a crer que, depois de engolir tantos desaforos e de até ser desautorizada publicamente, dificilmente ela teria outros motivos para pedir demissão. Mas sua saída inesperada revela que, por baixo do véu de castidade ambiental que sua figura ostentava às vitrines internacionais, estavam em ebulição centenas de contradições dentro do próprio governo, que emperravam muito mais os trabalhos de Marina do que supostamente travavam o desenvolvimento econômico do país. Os números do desmatamento acumulado na Amazônia durante o governo Lula, que hoje beiram os 100 mil km2, não deixam negar.

Antes de enfrentar seus maiores embates dentro governo, ainda em 2004, a então ministra chegou a declarar que cada vez que perdia uma briga, estava só afiando as garras “como a águia que tem de quebrar o bico na pedra, arrancar as penas e as unhas para nascer uma nova unha, um novo bico”. A resistência chegou à exaustão, coisa que, na mesma época, ela mesma anteviu. “Quando ministro acha que não dá mais, vai lá e entrega carta de demissão em caráter irrevogável”.

Por muito tempo, ela tentou sustentar o duvidoso compromisso do governo com a área ambiental à base das migalhas recebidas do orçamento da União. Para complicar, o pouco dinheiro sempre ficou retido na sede da administração, em Brasília, deixando os executores da política ambiental, nas pontas, à míngua, sem infra-estrutura e, muitas vezes, com a segurança em risco.

Essa situação, somada às estratégias de gestão freqüentemente criticadas por ambientalistas diminuíam a eficácia das ações propostas. A surpresa da divisão do Ibama e a criação do Instituto Chico Mendes, foi recebida com protestos dos próprios servidores, que promoveram greves e resistência declarada em eventos como o Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação de 2007, quando a ausência da ministra acirrou ainda mais o clima de descontentamento.

Bem cedo, já era claro que o meio ambiente nunca foi prioridade para o presidente Lula. Às vezes, em seus discursos de improviso, ele até se traia. A posição cada vez mais marcada de isolamento de Marina entre seus colegas de ministério ficou patente quando ela pressionou, em vão, pela aprovação do Projeto de Lei Complementar do Cerrado (PEC) e quando foi derrotada na aprovação da lei de biossegurança, rebaixando conquistas pretéritas que a área ambiental galgava timidamente. Era a época em que mais se esperava a saída de Marina, mas, intimamente, ela ainda não tinha chegado ao seu limite.

Foi com muito custo que a ex-ministra conseguiu emplacar a criação de dezenas de unidades de conservação na Amazônia até 2006, um dos maiores méritos de seu governo – êxito que não se repetiu mais com tal dimensão. Como lembra o ambientalista Roberto Smeraldi, da organização Amigos da Terra, curiosamente este feito de Marina era o contrário do que se esperaria dela, que sempre frisou que o objetivo da área ambiental não era discutir o que fazer ou não, mas como fazer. “Ela foi mais bem sucedida na agenda antiga, como nos anos 80, de criar unidades de conservação, principalmente no primeiro ano do governo Lula. Foi o único espaço que deram a ela”, opina Smeraldi.

Um dos maiores baques foi a avalanche de projetos de infra-estrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que nem de longe respeitava o principio de transversalidade ambiental tão defendido por Marina. O governo se posicionava de modo destemido que o meio ambiente era mesmo um entrave. Não foi à toa que, depois de negativas de técnicos de licenciamento do Ibama sobre a viabilidade ambiental da construção das usinas do complexo Madeira (RO), o governo tenha derrubado o diretor de licenciamento e permitido a interferência direta do Ministério de Minas e Energia e da Casa Civil no processo, autorizando a sua continuidade com base no parecer de um consultor estrangeiro sobre o rio Madeira, desmoralizando os técnicos em licenciamento do órgão federal de meio ambiente.

Termômetro amazônico

A divulgação dos números do desmatamento era como um termômetro na gestão de Marina. Quando diminuíam, como ocorreu entre 2005 e 2007, o governo comemorava, credenciando o sucesso à eficiência do Plano de Combate ao Desmatamento, por sinal, questionado por ONGs como o Greenpeace e o Instituto Socioambiental . As ações do plano se somaram às dezenas de operações conjuntas entre Ibama e Polícia Federal para combater crimes ambientais pelo país, que, depois da Curupira, em Mato Grosso, começaram a revelar a complexidade das teias fraudulentas contra o meio ambiente, especialmente nos estados amazônicos. Obviamente, depois de baques como este, a floresta saía ganhando, pelo menos provisoriamente. Foi assim, em junho de 2005, quando a taxa de desmatamento baixou a apenas 5% em relação ao ano anterior, como nunca antes na história do país.

Foi um suspiro, porque sem mexer na pressão que commoddities como a soja e a carne exercem na expansão da fronteira agrícola, o desmatamento voltaria a crescer. Entre o fim do ano passado e o início de 2008, o governo foi obrigado a admitir, mas Lula, mais uma vez, desmoralizou sua própria ministra e declarou que a pecuária e a agricultura não podem ser responsabilizados pelo desmatamento.

Mesmo assim, o Ministério do Meio Ambiente montou um pacote de medidas para restringir esse avanço, limitando o crédito bancário a desmatadores, obrigando cadastramento das propriedades rurais, divulgando nome e sobrenome dos infratores e endurecendo as ações nos municípios campeões do desmatamento. A resposta foi imediata. Blairo Maggi, governador de Mato Grosso, saiu na dianteira questionando até a metodologia do Inpe para identificar desmatamentos e negou até o fim que seu estado continue na liderança dos desmates. Em vez de ficar do lado de sua pasta ambiental, o presidente afagou Maggi. Era mais um recado claro a Marina, que estava a poucos momentos de abandonar o barco.

Diante deste quadro totalmente desfavorável ao êxito de medidas ambientais efetivas, é pouco provável que um novo ministro, seja qual for, possa alterá-lo. Nem mesmo a internacionalmente prestigiada Marina conseguiu. Para isso, Lula precisaria ser iluminado o suficiente para perceber que se encontra num caminho insustentável. “Neste caso, o legado mais forte da passagem de Marina pelo governo talvez seja sua própria demissão, que poderia servir de alerta para que haja uma eventual mudança de foco”, sugere Roberto Smeraldi, que sinceramente não crê que isso possa ocorrer na prática.

Em seu primeiro pronunciamento após do pedido de demissão de Marina Silva, Lula afirmou que a ex-ministra se vai, mas sua política ambiental permanece. Ao comparar Marina a um filho que sai de casa, o presidente se disse triste com a decisão, mas afirmou que a política ambiental do Brasil será tratada “com o mesmo carinho” que o governo trata a política social. “A política ambiental no Brasil não muda [com o pedido de demissão de Marina Silva]. Criamos no Brasil uma palavra mágica chamada transversalidade, para que não houvesse política de ministro. Isso significa colocar todos os atores envolvidos naquela matéria em torno de uma mesa para que a decisão se transforme em políticas de Estado e políticas de governo”, disse Lula, durante cerimônia de assinatura de atos com a chanceler da Alemanha, Ângela Merkel, na tarde desta quarta-feira.

Pelo jeito, ao menos no discurso presidencial, a demissão teve efeito.

(Por Andreia Fanzeres*, O Eco, 14/05/2008)

* Colaborou Cristiane Prizibiszcki

 


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