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raposa serra do sol terras indígenas direitos indígenas
2008-05-14

Um grupo defende território contínuo, enquanto o outro quer 'ilhas indígenas'.

Os produtores de arroz utilizam menos de 1% do total da reserva.

Um decreto do governo Lula de 2005 garantiu a cada um dos 19 mil índios que vivem em Roraima, no extremo norte do país, cerca de 80 quarteirões de território sem interrupção. Mas, neste momento, as duas principais associações indígenas dentro da reserva Raposa Serra do Sol têm pontos de vista diferentes sobre a demarcação.

A demarcação contínua de terras indígenas foi acompanhada de um perigoso conflito entre índios e não índios. O "Jornal da Globo" iniciou nesta terça-feira (13) a apresentação de uma reportagem especial sobre a questão indígena em Roraima.

Dissenso entre índios
As crianças macuxis tocam o gado nas colinas da reserva. Longe das cidades, distantes do conflito, os meninos Genildo e Genivaldo aproveitam despreocupados uma cavalgada e sonham com a terra da Raposa Serra do Sol.

"Quero ser tuxaua", diz um dos meninos índigenas.

 Tuxauas são os líderes escolhidos em cada uma das cerca de 200 comunidades indígenas. O poder político dentro da reserva está nas mãos deles. Os tuxauas fazem parte de associações indígenas. Com freqüência convocam a imprensa para anunciar suas decisões e propostas.

"Publiquem coisas verdadeiras, não coisas mentirosas, como hoje se ouve nos jornais, dizendo que povo está brigando entre povo indígena, isso não é bem verdade", disse Clodomir Malheiros, líder indígena.

CIR x Sodiur
O conselho indígena de Roraima (CIR), mais ligado à Igreja Católica, quer manter a demarcação de terras homologada pelo presidente Lula, em abril de 2005, de forma contínua.

"É homologada, demarcada, registrada, juridicamente é estudo antropólogo, então foi feito, e por isso que nós estamos ali", disse Nelino Galé, tuxaua do baixo cotingo.

Já os tuxauas da Sociedade dos Índios Unidos do Norte de Roraima (Sodiur) pensam diferente. Contam com apoio do governo do estado e de produtores rurais. Querem manter comerciantes e fazendeiros em áreas dentro da reserva.

“Não defendo só sua classe não, eu vou defender aqui o preto, eu defendo aqui o índio, defendo aqui o branco. Então eu defendo a minha pátria brasileira”, disse o presidente do Sodiur, Silvio da Silva.

Dezenove mil índios vivem em 17,4 mil km² no nordeste de Roraima. Uma área onze vezes maior que o município de São Paulo. São cinco etnias: ingarikós,makuxis, patamonas, taurepanges e wapixanas.

Em 2004, segundo a secretaria do índio de Roraima, 7.739 índios eram ligados ao CIR, que quer a reserva em área contínua. Outros 5.231 estavam ligados a Sodiur, que defende a criação de ilhas de ocupação não-índigena.

Os produtores de arroz utilizam menos de 1% do total da reserva.

Fazendeiros e índios
Por razões de segurança, fomos orientados pelo CIR a levar conosco, em expedição dentro da reserva, o tuxaua Hélio Afonso na vista a terra indígena.

De Boa Vista, são quase 200 km até a Vila de Surumu. Ali, muitas faixas de protesto. Elas revelam que os dois lados defendem não só interesses contraditórios como filosofias opostas. Uns evocam a Constituição, que garante aos índios direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Outros falam em desenvolvimento e soberania.

Os arrozeiros são acusados por índios e ONGs de destruir o meio ambiente e invadir terras indígenas.

Dona Noemia, que só fala macuxi, critica o arrozeiro Paulo Cesar Quartiero, preso na semana passada em Surumu, acusado de mandar atirar contra índios que invadiram a fazenda dele.

Já dona Silvilda, da mesma etnia macuxi, defende os arrozeiros.

“Eu almocei é arroz, não é barro, não é areia, não. É arroz! Quando arrozeiro vai sair e aonde eu conseguir arroz pilado, aonde arroz vai nascer pilado? Não nasce não, nasce com casca! Então eu quero tudo, não quero trabalhar, eu quero as coisas
tudo pronto. Não vou trabalhar não”, disse

Ao chegar na fazenda Canadá, encontramos o gaúcho Agenor Faccio. Ele diz que comprou 2.500 hectares de terra estimulado por um programa do governo federal. E que a presença de pássaros é a prova de que não ameaça o meio ambiente. Ele reclama o direito de ficar.

“Eu não tô atrás de dinheiro. Eu tô atrás de ficar, eu preciso dessa terra para produzir, porque atrás da fazenda nós temos uma marca de arroz, nós temos um mercado, nós temos uma vida", disse Agenor Faccio.

A convivência entre índios e não índios leva mais do que uma vida dentro da reserva. Segundo a Funai, os primeiros registros de contato com os brancos, colonizadores, remontam ao século 17. Para aqueles índios, as montanhas e rios da região eram
sagrados.

Segundo a mitologia indígena daqui, a humanidade nasceu na Serra do Sol. Agora, o que se vê são índios fazendo queimadas para criar, segundo estimativa, 35 mil cabeças de gado. Tudo herança dos brancos.

Casal teme separação
Seu João e dona Amazonina estão casados há 44 anos, tiveram 15 filhos. Sempre moraram aqui na Vila Surumu, mas desde o ano passado vivem o drama da separação.

O sofrimento, segundo eles, começou depois que um funcionário da Funai avisou no ano passado que seu joão não poderia continuar morando na vila surumu.

"Querem expulsar eu, eu por exemplo sou branco, ela é índia...querem expulsar eu, aí vão expulsá-la também", disse João do Monte Carneiro.

"Meus filhos tudo serviram o Exército para defender nossa pátria, e agora tenho que ser expulsa porque meu marido é branco", disse a índia Amazonina Batista de Souza entre suspiros e choros.

O presidente da Funai, no entanto, é categorico: diz que índios e brancos casados não serão separados pela demarcação.

“Se um homem indígena ou mulher casou com uma branca ele pode viver. Se for reconhecido pela comunidade, pode permanecer na área, não há problema”, disse Marcio Meira, presidente da Funai.

Depois de percorrer mais de 150 km dentro da reserva, chegamos ao Uiramutã. A sede do município está fora da reserva. Mas o tuxaua Orlando, um dos mais antigos, não tem dúvidas sobre o futuro. Ele quer tirar todo mundo dali.

"Eles tem que sair da nossa casa. (...) Se tiver algum no canto da casa, ele enchendo o saco, ele manda tirar. Olha, sai daí, vai, vai...não quero nem mais você aqui. Então é isso que tem que acontecer", disse o líder indígena Orlando Pereira.

Demarcação da reserva
Na quarta-feira (14), o "Jornal da Globo" vai mostrar a história da demarcação da Raposa Serra do Sol. As suspeitas de fraude no laudo que levou à homologação da terra indígena.

E você vai ver também como foi a colonização de Roraima e imagens inéditas da expedição do Marechal Rondon à região.

(G1, 14/05/2008)


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