Muita gente apostou que ela sairia quando a Lei de Biossegurança foi aprovada, liberando o plantio de transgênicos sem estudos de impacto ambiental. Outros diziam que, quando o governo Lula aprovasse as grandes obras de infra-estrutura para Amazônia, a ministra do Meio Ambiente pediria as contas. Mas vieram rodovias na floresta, o licenciamento das usinas hidrelétricas do rio Madeira, e Marina Silva não arredou pé. Porém, foi nesta terça-feira 13 de maio, Dia da Abolição, que acreana Maria Osmarina Marina da Silva, abandonou o governo de seu aliado de longa data Luis Inácio Lula da Silva. MAs por que só agora, depois de engolir tanto desaforo?
Engana-se quem acha que Marina Silva resolveu sair do ministério do Meio Ambiente ao saber que o presidente Lula entregaria a coordenação do PAS (Plano Amazônia Sustentável) ao ministro Mangabeira Unger. A ministra começou a amadurecer essa decisão bem antes do lançamento do programa na última quinta-feira, em Brasília. Há cerca de seis semanas, ela avisou a um grupo muito próximo de assessores que talvez fosse hora de começar a se preparar para voltar ao Senado. Disse, no entanto, que não faria nada precipitadamente e que sua saída do ministério, se realmente ocorresse, aconteceria lá para fins de julho, início de agosto.
Marina não contou a ninguém, mas na época, começou a achar que o presidente estava agindo no sentido de desmoralizá-la lenta e gradualmente. Para começar, Lula fez coro com o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, questionando os números do Inpe, corroborados por dados levantados pelo Imazon, de que o desmatamento na Amazônia estava recrudescendo. O presidente tampouco reagiu quando as ações da Polícia Federal viraram alvo de críticas dos ruralistas, que pediam mais cerimônia das autoridades no combate ao desmatamento nos 36 municípios considerados os mais críticos da região.
Existem indícios de que mais uma indisposição entre o governador Blairo Maggi e Marina Silva – durante o lançamento do PAS, na semana passada – tenham motivado sua saída. Procurada pela reportagem de O Eco, a assessoria do governador de Mato Grosso não quis responder.
Lula também não se mexeu quando foi alertado por Marina e seus assessores no ministério do Meio Ambiente que os ruralistas estavam se mexendo para passar no Congresso o projeto de lei do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), conhecido pelas alcunhas de ‘Floresta Zero’ e ‘Estatuto do Desmatamento’, que prevê a redução da reserva legal em fazendas na Amazônia de 80% para 50%. A ministra também sentiu que no Planalto não havia muito apoio para uma medida adotada no início de março pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), impedindo bancos públicos e privados de concederem crédito a fazendas que não estejam cadastradas nos órgãos ambientais e com um plano de recuperação de suas reservas legais registrado nos órgãos competentes.
Cortes no PAS
A medida tomada pelo CMN, para a qual a Casa Civil e o ministério da Agricultura torciam o nariz, poderia muito bem secar um bom naco do crédito que financia o corte de árvores na região Norte. Os fazendeiros resistiram frontalmente a ela, evitando fazer o cadastramento e pressionando seus representantes em Brasília a pedir o adiamento de sua entrada em vigor, marcada para primeiro de julho. A falta de uma palavra pública do Planalto em favor da medida, sinalizou a Marina que ela talvez estivesse natimorta, dando a então ministra mais motivos para ir embora.
O silêncio do Planalto sobre os ataques do ministério da Agricultura contra a lista de propriedades embargadas por problemas ambientais que o Ibama colocou na Internet, foi outro sinal de que talvez tivesse chegado a hora de partir. As razões finais para pedir o boné, no entanto, vieram na quarta-feira da semana passada. No fim da noite, as vésperas do lançamento do PAS, Marina descobriu que o programa que ela levara para a análise do Planalto tinha sido reduzido a trapos pelas tesouras da Casa Civil da Presidência da República.
Das duas dezenas de decretos de criação de Unidades de Conservação que estão engavetadas desde o início do ano passado na escrivaninha de Erenice Guerra, secretária-executiva de Dilma Roussef, apenas 3 foram liberadas. E entre elas não estava a unidade mais cara à ministra, a Reserva Extrativista do Médio Xingu. De fora do anúncio, ficaram também as propostas sobre pagamentos por serviços ambientais prestados por áreas cobertas com floresta e um pacote de medidas para forçar a regularização fundiária na região. Foi demais para Marina.
Máquina do Planalto
No fim de semana, ela revelou a alguns assessores que provavelmente sairia do governo antes do que imaginava. Mas foi só na segunda-feira de manhã que ela tomou a decisão, avisada a amigos e auxiliares próximos através de uma mensagem de texto enviada para seus celulares, marcando sua despedida oficial para o dia seguinte. Na segunda de noite, reuniu 13 assessores diretos e pediu que eles permanecessem em seus cargos a espera da indicação de um novo ministro. A quem quis uma explicação sobre sua decisão, Marina respondeu que era impossível ficar depois de tantas demonstrações de falta de apoio presidencial.
Na terça-feira, Marina ainda teve o dissabor de ter de enfrentar a máquina de comunicação do Planalto. Em silêncio, ela viu o palácio vazar a sua carta de demissão, um texto escrito por ela apenas para os olhos do presidente, e soltar uma série de boatos sem qualquer fundamento. O primeiro dizia que Lula já esperava a demissão há dois meses e tinha convidado Carlos Minc, secretário de meio ambiente do Estado do Rio, para assumir o cargo.
Outro garantia que o presidente tinha sido tomado de surpresa e estava irritado com a decisão de Marina, o que ele em nenhum momento externou para a ex-ministra. No fim do dia, o Planalto soltou que o seu substituto seria Jorge Vianna, ex-governador do Acre. Finalmente empurrou um terceiro nome para a disputa, José machado, petista, ex-prefeito de Piracicaba e atual diretor da Agência Nacional de Águas.
Repercussão
Se são uma, duas ou mais razões imediatas que forçaram a saída da ministra, o mais importante nessa discussão é que, há anos, Marina Silva falava sozinha. Como lembra a jornalista Miriam Leitão em seu blog, a ministra engoliu muitos desaforos e foi diversas vezes desrespeitada dentro do governo, como a viagem do ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos para planejar ações na Amazônia, coisa que ele já demonstrou ser inapto, para dizer o mínimo. A saída demorou desde a época em que Marina Silva disse que perdia o pescoço, mas não o juízo.
Para Adriana Ramos, do ISA – Instituto Socioambiental, a saída de Marina Silva mostra que todos os esforços do Ministério do Meio Ambiente foram em vão, demonstra claramente que a política da cúpula do governo federal não está alinhada com nada ligado à preservação. “Sua saída é muito ruim para o Brasil e para o governo. O impacto internacional será grande, ainda mais às vésperas da Conferência da ONU sobre a Biodiversidade”, avalia. Segundo a ambientalista, Marina Silva sempre defendeu o presidente Lula e o governo, mesmo quando isso trazia perdas a sua pasta. “Ela chegou a um limite, pela pressão do PAC, pela da falta de disposição do governo em acatar e implementar as medidas propostas pelo MMA. É compreensível que isso tenha acontecido”, diz.
Que a demissão da ministra foi uma clara sinalização de que ela não estava, há muito, se sentindo apoiada o suficiente dentro do governo pouca gente duvida. O desafio é saber se o que foi avançado até agora na política ambiental não sofrerá retrocessos. “Um recuo agora não seria bom pro governo, nem mesmo para o setor da agricultura”, opina Sergio Guimarães, membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e coordenador do Instituto Centro de Vida (ICV). Segundo ele, um recuo neste momento poderia comprometer a política de biocombustíveis em nível internacional. “A Marina é conhecida e bem vista internacionalmente. De certa forma, ela dava aval ao governo Lula na área ambiental", diz.
A saída da ministra Marina Silva começou a ser comemorada cedo em Mato Grosso. A Federação da Agricultura e Pecuária (Famato), que sempre se queixou que a área ambiental do governo travava o desenvolvimento do estado, declarou que espera um novo ministro de meio ambiente menos radical do que Marina. O presidente da entidade, Rui Prado, defendeu, segundo sua assessoria, que “a ministra é uma pessoa extremamente comprometida com a causa ambiental e com a comunidade internacional sem se preocupar com o Brasil e com os brasileiros”.
A demissão de Marina Silva também acarreta dúvidas dentro dos órgãos ambientais do governo. De acordo com um analista ambiental do Ibama que preferiu não se identificar, o sentimento é de que tempos piores virão. Para ele, o poder desenvolvimentista dentro de Brasília ganha cada vez mais força, o que indica a escolha de uma nova cúpula para o ministério totalmente atrelada a interesses econômicos . Até agora, Lula conseguiu emplacar todas as obras prioritárias do PAC. Os funcionários temem que o meio ambiente, a partir de agora, fique relegado ao décimo plano.
(Por Aldem Bourscheit, Andreia Fanzeres, Felipe Lobo, Gustavo Faleiros e Manoel Francisco Brito, O Eco, 13/05/2008)