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raposa serra do sol terras indígenas demarcação de terras
2008-05-14

CARTA DE ESCLARESCIMENTO

Vimos através desta informar a situação da comunidade Barro desde a paralisação da Operação Upatakon III, assim como das atividades realizadas no Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol- CIFCRSS no período de abril e maio.

Há aproximadamente 6 (seis) semanas as atividades no centro têm ocorrido sob forte pressão e grande sensação de intranqüilidade devido aos últimos acontecimentos. Referimos-nos aos atentados ocorridos região Surumu como queima de pontes, bloqueio de estradas, ameaças, além de constantes ações de criminosos ligados ao arrozeiro (aqui em Roraima chamados arrozeiros) e atual prefeito de Pacaraima Paulo César Quartiero. O consumo de bebida alcoólica é proibido, assim como sua comercialização em Terra Indígena, mesmo assim ocorreu constantemente com a conivência e financiamento de Paulo César.

As noites têm sido muito agitadas devido aos gritos, estouros de rojões e música alta durante muitas madrugadas. Uma bomba de grande poder destrutivo, foi colocada na entrada do centro e desativada através da ação do batalhão da Policia Federal e da Guarda Nacional. Durante o inicio destes atentados, Paulo César Quartiero, foi acusado de 4 (quatro) crimes e levado por agentes federais. Após um período inferior a 24h foi solto ao pagar fiança de R$  500,00 (quinhentos reais) causando grande revolta entre os indígenas e  denotando a cumplicidade e parcialidade do Judiciário de Roraima para com este tipo de ação (aquela que atenta contra os direitos indígenas e promove a discriminação étnica).

Desta forma, o cotidiano do Centro foi drasticamente alterado com redução significativa de aulas e cuidados com os setores de produção tanto em Agronomia quanto em Pecuária. Isto se deu devido às constantes ameaças de invasão e ataques. A população do Centro passou a atravessar as noites em vigília com receio de sofrer atos de violência física e moral. O horário de vigília termina às 6h quando todos se retiram aos seus dormitórios para descansar.

Foi preciso adequar a realização de todas as atividades como aulas e cuidados de setores com o reduzido tempo restante, de 14 h até 22 h.

A partir da segunda semana de abril, um movimento organizado pelo CIR (Conselho Indígena de Roraima) e apoiado pelas comunidades indígenas de Roraima começou a se manifestar na comunidade Barro. Chegou um grande contingente de todas as regiões do estado para celebrar o “Abril Indígena” e ao mesmo demonstrar seu repudio em relação à política discriminatória e anticonstitucional do Governo Estadual de Roraima.

Ao iniciar a operação Upatakon III, arrozeiros, políticos de Roraima (senadores, deputados, prefeitos e governador)e diferentes representantes do setor civil e militar (liderados pelo comandante Heleno) se mobilizaram numa forte pressão sobre o processo homologatório instalado pelo Governo Lula em 2005. As reivindicações foram:

1-     Anular a portaria 820 que reconhece a Terra Indígena Raposa será do Sol (TIRSS);

2-     Reduzir a área total da reserva tornando-a descontinua em forma de “ilhas” indígenas;

3-     Garantir a permanência dos arrozeiros dentro da área;

 

Os argumentos utilizados para fazer tais reivindicações foram:

1-     Essa classe empresarial é responsável por grande parte do desenvolvimento do Estado;

2-     Pela área da TIRSS reduzir 60% do território estadual a condição de Reserva;

3-     Com a saída dos arrozeiros haveria grande catástrofe social já que os indiegans passariam fome sem seu arroz;

4-     Que a soberania do país estaria em risco devido as partes de fronteira que a TIRSS ocuparia;

5-     Que a quantidade de terra destinada ao usufruto dos indiegasn é muito grande para a pequena quantidade de pessoas;

 

Ao sofrer esta pressão continua o Supremo Tribunal Federal abriu processo para julgar as 33 ações referentes a TIRSS. A maior preocupação neste momento foi de que Ministros do Supremo se mostraram solidários a causa dos arrozeiros e de que a propaganda enganosa, tendenciosa, discriminatória e irresponsável pela mídia roraimense conseguiu atingir seu objetivo ludibriando a opinião publica no estado e em Brasília.

Numa tentativa desesperada de continuar lutando com o “papel e caneta” como armas, o CIR recorreu a todos seus parceiros denunciando os crimes aqui cometidos e divulgando em mídias alternativas a verdade sobre a questão local.

Infelizmente nada ocorreu e o prazo de 60 (sessenta) dias foi estipulado para liberar veredicto sobre o caso TIRSS.

Cansados de não ser ouvidos e viver num clima de constante terror, indígenas decidiram partir para a ação e após uma grande reunião de homens, mulheres e adolescentes de varias regiões (e torno de trezentos), 2 (duas) decisões forma tomadas:

1- Paralisar as aulas em todas as comunidades indígenas;

2- Ocupar no dia 5 de maio de 2008 as 18hs uma parte da margem da fazenda Deposito de Paulo César Quartiero.

Deram inicio a um trabalho de levantamento de barracos e roçados quando foram surpreendidos por um grupo de pistoleiros da fazenda que iniciaram um ataque com bombas e armas de fogo. Ao todo 10 homens foram atingidos pelas bombas e pelos tiros. Deste total, 2 (dois) são estudantes do CIFCRSS, Glênio Barbosa Andrade, ingaricó, estudante do 3º ano e Sival Abelardo de Oliveira, macuxi, estudante do 1º ano. Estes foram atingidos por tiros e encaminhados ao Hospital Geral em Boa Vista.

Este fato causou indignação e revolta entre os manifestantes tornando cada vez mais difícil a tarefa das lideranças de manter postura pacifica do Ato. Frente a este fatos o Ministro da Justiça Tarso Genro realizou uma visita a área, momento em que Paulo César foi acusado e preso por 3 crimes : formação de quadrilha, ocultação de armamento e bloqueio de estrada federal- houve uma rápida negociação entre as lideranças do Ato e o Ministro Tarso Genro s, durante 48 h os manifestantes desocupariam a fazenda para ação da Policia Federal e da Guarda N. Aliados de Paulo César enfrentaram os agentes federais numa ação que gerou a detenção de diversas pessoas ligadas ao arrozeiro.

A participação do centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol

Nós estudantes do CIFCRSS vemos com grande preocupação a situação atual da comunidade Barro, assim como de todas as comunidades indígenas de Roraima. Acreditamos que devemos participar de todos os movimentos que lutem pela garantia de nossos direitos, liberdade e cultura frente às constantes tentativas de governantes de nos desmobilizar e enfraquecer.

Desta forma participamos ativamente desde o inicio do “Abril Indígena” através de passeatas, discussões, manifestações culturais com nossos trajes típicos, assim como parixaras e apresentação de todos nossos trabalhos realizados no CIFCRSS, tanto na área de Agronomia quanto de Pecuária para todos os participantes do Movimento em defesa de nossa Terra Livre.

Decidimos também participar da ocupação da Fazenda Deposito, dita propriedade do arrozeiro Paulo César Quartiero. Esta decisão foi tomada após discussão com todos os estudantes, coordenadores e professores do CIFCRSS, maneira pela qual temos tomado todas nossas decisões.

A nossa participação se dará até o fim, com força e esperança de que a justiça será cumprida ou pelo Supremo Tribunal federal ou através de nossas próprias mãos, como temos conseguido há décadas todas nossas grandes conquistas.

Estamos de acordo com todas nossas escolas indígenas da Raposa Serra do Sol no que diz respeito à paralisação das atividades escolares.     

Acreditamos que nossas aulas não cessaram pois defendendo nossa Terra, nossos direitos e nossa cultura estamos nos formando como pessoa, profissional e liderança. Uma lição de vida que temos certeza, em nenhuma outra escola do Brasil é ensinada e vivenciada com tanto envolvimento e afinco.

Passamos por grandes dificuldades no que diz respeito a cumprir com nosso compromisso perante a manutenção das atividades do centro, principalmente o acompanhamento diário dos setores de Agropecuária. Isto acontece devido às noites de insônia na vigilância em diferentes pontos da escola. Sabemos que se não nos unirmos para lutar juntos, este receio e dúvida quanto à nossa tranqüilidade não terá fim.

O sistema de vigilância teve inicio desde que venceu o prazo de retirada do arrozeiro Paulo César e suas ações terroristas não cessaram durante todo esse período e a pressão e ameaças sobre o Centro são intensas. Tivemos apoio da policia federal e Força Nacional para realizar a segurança da Escola

Mesmo assim, somos incansáveis. Continuaremos com a vigilância noturna e trabalhos diurnos na área da fazenda e firmes na proteção de nossa Escola. Fizemos um acordo de que através de rodízio, a cada dia escolheremos 5 (cinco) ou 6 (seis) estudantes para permanecer no entro para garantir todas as atenções básicas necessárias para nossas criações e plantações e os outros irão para a fazenda.

Acreditamos ser legitima nossa luta já que todos os argumentos que tendem a reduzir nossa Terra e manter o arrozeiro Paulo César são infundados. Através da disciplina de analise da realidade e manejo ambiental avaliamos os argumentos da seguinte forma:

1-     Como é possível que uma pessoa que acumula milhões de reais em multas não pagas, a que não contribui com impostos devido a acordo com o governo estadual seja responsável pelo desenvolvimento do estado?

2-     Como podemos chamar de desenvolvimento rural um empreendimento que se sustenta à base de maquinários tão modernos que dispensam a mão-de-obra do agricultor, ou seja gera uma renda imensa que fica acumulada na mão dos arrozeiros?

3-     Como podemos chamar de “desenvolvimento que queremos para o Estado”, uma economia baseada na prática da monocultura em grande escala que se usa de insumos químicos de todo tipo, prejudicando nossos rios, peixes e nossa saúde? Uma atividade que se enriquece pelo desrespeito à Natureza, pelos desmatamentos, pela poluição?

4-     Como é possível que uma pessoa que incita a população Roraimense a atitudes de violência contra os povos indígenas seja bem vista pelas autoridades locais e federais?

5-     A verdadeira dimensão da TIRSS é de 7% e não de quase 60% do território do Estado;

6-     De que maneira sua produção é essencial para nossa sobrevivência (do índio)? Afinal, em nossa cultura a maior fonte de alimento é a mandioca –e seus derivados- em todas as suas variedades e a carne de caça, pesca e da criação de gado que realizamos em pequena escala para atender nosso abastecimento, além do quê, entre todos os tipos de arroz comercializados no Estado o seu está entre os mais caros?

7-     Como a soberania do país estaria ameaçada sendo que quando da necessidade, Agentes Federais e Militares têm livre acesso à Terra quando há necessidade e em toda a sua extensão já existem 3 postos das Forças Armadas?

8-     Não entendemos como a Justiça Federal entenda e aprove que uma só pessoa que várias vezes infringimos a Lei, não contribui para com a arrecadação do Estado e mesmo assim enriquece absurdamente possa ser dona de uma terra tão grande e que nós, índios sejamos tão poucos para ocupar a TIRSS;

9-     Somo totalmente contra a postura das autoridades locais e federais que vêem o índio como se não tivesse nenhum valor e despreza suas diversidades culturais, tradições e a proteção da natureza. Após 500 anos de invasão, é como se o não-indio nada tivesse aprendido sobre humanidade, respeito e valorização da nossa cultura;

10-  Não entendemos porque se na Lei a operação já estava já estava determinada e com amparo da Constituição Federal qualquer pessoa pode entrar com uma ação e parar todo um Processo que já deve ter custado milhões aos cofres públicos;

Estamos aliviados por Paulo César estar preso assim como alguns de seus pistoleiros e por termos percebido que o ministro da Justiça apóia nossa atitude em busca de Justiça e Paz para nossos Povos.

Criticam o CIFCRSS dizendo que é uma escola de guerrilha, pois estão enganados duplamente. Em primeiro lugar, a Escola é sim para guerreiros, guerreiros que não fogem ao ver seus direitos serem ameaçados por pessoas amorais, sem valores e que pregam a desunião dos povos em função do dinheiro.

Em segundo lugar, pensar que uma Escola que forma pessoas com um senso crítico da realidade é algo perigoso e que incita a violência. Nosso objetivo é justamente o de poder ter uma posição sensata nos momentos difíceis e de saber nos defender de pessoas corruptas que insistem em destruir o povo brasileiro tornando-o seus escravos

RESISTIMOS PERSISTIMOS E JAMAIS DESISTIREMOS.

(CIFCRSS, 13/05/2008)


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