A Bolívia quer a água fora da Organização Mundial da Saúde e o Equador discute incluir em sua Constituição a figura do Direito à Natureza. São algumas das idéias trazidas por convidados estrangeiros à conferência ambiental brasileira que terminou sábado em Brasília. O governo boliviano de Evo Morales foi o único que retirou serviços de seus compromissos na OMC, dentro de sua política de recuperação da soberania sobre certos setores-chaves, como telecomunicações, que teve uma empresa nacionalizada recentemente, disse Elizabeth Peredo, diretora da Fundação Sólon, à IPS.
A água é uma das maiores razões dessa decisão boliviana, porque sua conversão em mercadoria pode afetar o direito humano de acesso a esse bem público, destacou Peredo, a especialista boliviana que na sexta-feira participou de um encontro de convidados estrangeiros com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. O convite a ativistas e políticos envolvidos com questões ambientais em cerca de 40 países foi uma iniciativa dos organizadores da III Conferência Nacional de Meio Ambiente (CNMA), para que outros conheçam o processo participativo de definição de políticas públicas no Brasil, além do intercâmbio de idéias.
A preocupação boliviana com a água se justifica por uma amarga experiência com serviços particulares que privaram do acesso à água parte da população de Cochabamba, centro do país, especialmente em áreas camponesas. Grandes protestos sociais restabeleceram em 2000 o controle público deste serviço essencial, mas, em troca de pesados custos para enfrentar as demandas da empresa que teve sua concessão cancelada, disse Peredo.
A água regida pela OMC está sujeita a “acordos mais vinculantes do que as convenções da Organização das Nações Unidas”, o que permite sua privatização, como ocorreu em Cochabamba, entretanto, os governos assinam esses acordos sem se darem conta de seus “efeitos perversos” principalmente para as populações pobres, afirmou a especialista boliviana. Em seu país, acrescentou Peredo, a água é um recurso de distribuição desigual, favorecendo a faixa oriental do país, do mesmo modo que os hidrocarbonos e terras férteis que estimulam movimentos autonomistas nos departamentos mais ricos do país. Com o aquecimento da Terra, as geleiras derretem agravando a escassez nas áreas de terras altas da cordilheira dos Andes.
A propriedade intelectual, também sujeita a regras comerciais internacionais, é outro assunto que preocupa a diretora da Fundação Sólon, por trabalhar inclusive “algumas soluções” para enfrentar a mudança climática. Como exemplo, citou que os altos preços cobrados para patentear um produto impediu a Índia de substituir um componente mais contaminante de seus refrigerantes. “É um jogo de poder pouco visível”, ressaltou.
Por sua vez, Helga Serrano, suplente na Assembléia Constituinte do Equador, destacou no encontro com a ministra Marina Silva a “contradição” entre o Direito da Natureza e as atividades mineiras, por exemplo. Reconhecer a natureza também como sujeito de direitos será uma inovação da nova Constituição equatoriana, que deverá ser aprovada no final de julho e submetida a um referendo no prazo de 45 dias, disse à IPS.
A luta contra atividades de extração depredadoras em sue país já começou com a adoção no dia 18 de abril de um “mandato mineiro que retirou mais de quatro mil concessões entregues”, em muitos casos dentro de parques de conservação e áreas indígenas, destacou. A reordenação do setor permitirá apenas três concessões para cada pessoa ou empresa, ao contrário da situação anterior em que uma companhia canadense tinha 33 concessões. O objetivo é que a nova Constituição seja um caminho para a construção de um novo modelo de desenvolvimento, em harmonia com a natureza e que contemple a economia solidária, a inter-cultura e uma democracia com participação popular.
O Estado Plurinacional já é um ponto acertado. Tampouco serão aceitas bases militares estrangeiras no país, disse Serrano, integrante do governante Movimento País, de esquerda e coordenadora da Coalizão Não-Bases, que combate a presença norte-americana no país. “O país que sonhamos” orienta a elaboração da Constituição, que deve rejeitar uma jurisdição internacional sobre recursos como a água e criar um “guarda-chuva para um novo mundo”, assegurando a soberania territorial, alimentar e energética, concluiu.
No diálogo com os convidados estrangeiros a ministra Marina silva realçou sua condição de “membro de um governo” para matizar suas opiniões sobre diferentes temas tratados. O desenvolvimento sustentável “não é uma panacéia”, os grandes projetos como as hidrelétricas na Amazônia causam impactos inevitáveis, o que se deve fazer é “reduzi-los a um nível capaz de ser suportado pelo ecossistema”, acrescentou. A ministra também defendeu um sistema misto, em resposta à condenação do Protocolo de Kyoto por Joel Kovel, o norte-americano fundador da Rede Ecosocialista Internacional, para quem esse acordo criou o “comércio da contaminação que apenas beneficia os ricos” sem resolver o problema climático.
A este respeito, Marina Silva acrescentou que se deve somar o crédito de carbono e as reduções voluntárias de emissões de gases causadores do efeito estufa. “Um não exclui o outro”, destacou se referindo ao Protocolo de Kyoto. A inevitável crítica contra os biocombustíveis porque estariam provocando a alta de preços e afetando a produção de alimentos. A ministra também rechaço à alternativa energética. Os combustíveis fósseis continuarão sendo consumidos e o Brasil, além de muita terra disponível, realiza seu zoneamento econômico-ecológico, estabelecendo os lugares em que se pode ou não cultivar cana-de-açúcar para a produção de etanol, de maneira muito diferente da registrada nos Estados Unidos, onde se usa o milho, concluiu.
(Por Mario Osava, IPS, Envolverde, 12/05/2008)