Moradora do município de Prainha (PA), Rosa Maria, explicitou o quadro de violência no Oeste paraense. Ela denunciou a ação ilegal e violenta dos madeireiros naquele município localizado próximo a Santarém (PA), no Baixo Amazonas. “A gente vive isso e, por isso, sabe o que está acontecendo”. Para ela, madeireiros, sojeiros e governo são grandes parceiros. Partícipe do processo de ocupação da região, Rosa Maria fala do que vivencia: “A gente vive numa área conflituosa, com várias lideranças ameaçadas de morte”.
Durante debate ocorrido no Seminário “Desmatamento na Amazônia: um diálogo necessário. É possível?”, que reuniu essa semana no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém (PA), pesquisadores, ambientalistas, empresários, representantes da sociedade civil organizada e tomadores de decisão, Rosa relatou como os madeireiros atuam na região. “As famílias são induzidas a vender suas terras por preços mínimos. Depois, migram para as cidades, onde vivem na miséria”. Ainda segundo Rosa, o reflorestamento, exigido nos planos de manejo liberados pelo IBAMA, é uma prática inexistente nessa região da Amazônia. “Plantio de soja, arroz e capim. Esse é o reflorestamento que está sendo feito”.
O combate à violência no campo, a necessidade de recursos para proteção das florestas e a implementação de um novo modelo de produção florestal baseado na sustentabilidade e no respeito à cidadania, foram algumas das principais questões debatidas pelos participantes do Seminário. Para a moradora de Prainha, as comunidades estão se vendendo porque não há Poder Público atuando nessas áreas, fato este agravado pela ineficácia da Justiça. “As leis não são respeitadas. Enquanto o país não tiver leis que funcionem, vamos continuar vivendo na miséria”, concluiu a moradora da floresta.
Promovido pelo Museu Goeldi e o Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (Idesp), o evento discutiu o desmatamento da maior floresta tropical do planeta a partir do confronto de idéias e opiniões de diferentes atores sociais da região.
Coordenado pelo pesquisador Leandro Ferreira, do Museu Goeldi, o painel das organizações não-governamentais contou com a participação de representantes do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), da Conservação Internacional, do Greenpeace, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e da Comissão Pastoral da Terra.
Para o coordenador do Greenpeace na Amazônia, Paulo Adário, o pânico gerado pelas mudanças globais pode ajudar a proteger a floresta. “Nunca um tema ambiental ocupou tanto espaço na mídia”, afirmou o ambientalista durante o debate. Além de mostrar preocupação com relação aos impactos da produção de agrocombustíveis sobre a floresta, Adário criticou a falta de recursos financeiros para solucionar as demandas ambientais. “São necessários cerca de € 30 bilhões por ano para conter o desmatamento em todas as florestas do mundo”.
Adário falou ainda sobre a proposta do Greenpeace para zerar o desmatamento no país. “A nossa proposta é reduzir, de forma progressiva, o desmatamento a zero até 2015”. Outra preocupação do ambientalista é a globalização da economia na Amazônia que ocorre, segundo ele, principalmente através das atividades madeireira e pecuária, setores que contribuem para a destruição da floresta.
“Segundo dados do IBGE o rebanho de gado bovino na região já alcançou o patamar de 72 milhões de cabeças. Como essa produção não pode ser exportada para fora do país, estamos produzindo carne para os sulistas comerem, enquanto que eles estão exportando sua produção para os outros países”. Adário ressaltou ainda a importância do Estado na construção da cidadania na Amazônia. “A atuação do poder público é fundamental, pois a região está sendo destruída pela violência”.
Para Jane Silva, da Comissão da Pastoral da Terra, que participou do debate, a violência na Amazônia é um grave problema que deve ser enfrentado com competência pelo Estado. “A violência é a prática de quem faz o desmatamento na Amazônia”, alertou Jane que ressaltou ainda a necessidade de discussão de um novo modelo de produção para a agricultura familiar. Jane criticou ainda a ausência das ONG ambientalistas na região. “Não há nenhuma ONG de grande expressão atuando no sul do Pará”.
Uma economia florestal - “A gente quer que o Pará se torne um estado de economia florestal”. Assim o Secretário Adjunto da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Estado do Pará (Sema), Marcelo Françoso, definiu a posição do Governo do Estado. Para ele, o setor produtivo paraense deve investir no reflorestamento e na produção de madeira de plantio em áreas degradadas, como forma de reduzir a pressão madeireira sobre a floresta nativa. Françoso participou do Painel de empresários e tomadores de decisão, que aconteceu na quarta-feira, dia 7, pela manhã. Da sessão participaram ainda, o representante da Federação de Agricultura do Estado do Pará (Faepa), Armando Soares, e o Secretário de Meio Ambiente do Mato Grosso, Salatiel Alves Araújo, que criticou os dados do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre o desmatamento no estado.
Já a representante do Ministério do Meio Ambiente, Fernanda Carvalho, falou sobre as estratégias adotadas pelo governo federal para combater o desmatamento, como a criação de 20 milhões de hectares de unidades de conservação e a homologação de 10 milhões de hectares de terras indígenas. Fernanda Carvalho destacou ainda o avanço dos sistemas de monitoramento do desmatamento e o fortalecimento da fiscalização realizada pelo IBAMA. “Esse é um desafio que ainda continua, apesar dos avanços alcançados pelo governo”, afirmou.
Dentre as novas ações do MMA, Fernanda destacou a elaboração do Fundo para a Proteção e Conservação da Amazônia, que deverá ser lançado em junho, e o lançamento nesta quinta-feira, dia 8, da Operação Arco Verde, com medidas emergenciais de apoio social aos municípios atingidos pela Operação Arco de Fogo, realizado este ano pelo IBAMA. Na quinta-feira, o Governo Federal lança ainda o Plano Amazônia Sustentável (PAS), um marco de diretrizes baseado em cinco eixos principais: ordenamento fundiário; inclusão social e cidadania; gestão ambiental; fomento das atividades produtivas sustentáveis; e infra-estrutura.Também serão lançadas quatro novas unidades de conservação, uma no Pará e três no Amazonas.
Modelo de sustentabilidade - O debate contou ainda com a participação da diretora do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará (Ideflor), Raimunda Monteiro, que falou sobre o compromisso do governo estadual com um novo modelo de desenvolvimento baseado na sustentabilidade. “O Pará tem uma sociedade organizada e aderente às propostas de sustentabilidade”, afirmou.
A diretora do Ideflor defendeu uma política de valorização do extrativismo, que incentive a produção de novos empreendedores florestais e de produtos sustentáveis mais baratos. “A Amazônia tem 25 milhões de habitantes e todos querem se beneficiar da floresta”. Segundo Monteiro, a implementação desse novo modelo de desenvolvimento passa pelo desafio da mobilização social e de uma gestão florestal compartilhada, dentro de um contexto de ordenamento territorial. Ela criticou ainda a falta da participação social na gestão dos recursos minerais. “A mineração continua poderosa e intocável”.
O diretor executivo da Associação das Indústrias Madeireiras do Estado do Pará (AIMEX), Justiniano de Queiroz Netto, também defendeu uma política florestal para a região. “Nós acreditamos na vocação florestal da Amazônia”, afirmou o empresário que reafirmou a necessidade de se reproduzir um modelo sustentável de produção na Amazônia. “A gente tem bons exemplos. O desafio é multiplicá-los”. Para Netto, o desmatamento é um fenômeno sócio-econômico, resultante de um modelo de produção que favorece ao desmatamento. “Só a política da repressão, embora necessária, não é suficiente para combater o desmatamento”.
(Museu Paraense Emílio Goeldi,
Amazonia.org.br, 12/05/2008)