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termelétricas a carvão política energética empresa de pesquisa energética
2008-05-12
A notícia mais importante do Balanço Energético Nacional para 2007, divulgado na última quinta-feira (08/05) seria mesmo a que a cana superou a água como fonte de energia no Brasil? Não. A informação mais importante é que aumentou o consumo de combustíveis fósseis e que o uso de carvão mineral, o pior deles, cresceu quase 10%, apenas entre 2006 e 2007.

Mas imaginemos que as manchetes refletissem realmente o que há de mais importante nos dados constantes do release divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética. O que ele significa mesmo? Significa que o álcool acompanha mais rapidamente o crescimento da demanda que a energia hidrelétrica. O álcool tem regras claras. Já as hidrelétricas licenciadas pelas autoridades ambientais raramente saem do papel, por falta de regras e de capital e pela propensão do governo atual à estatização dos empreendimentos. Aí, só consegue atrair os de sempre, acostumados a viver encostados numa estatal da qual se nutrem com pouco esforço.

O que o release mostra, com toda clareza, é que a política energética brasileira anda na contramão da tendência global de busca de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). O Brasil acha que tem uma matriz energética de baixo carbono. Em parte tem mesmo. Uma parcela de nossas hidrelétricas foi construída do jeito certo e tem índices de emissões de GEE muito inferiores aos de qualquer termelétrica. Mas outra parte, não menos importante, emite mais que as termelétricas a gás natural e algumas conseguem até superar as termelétricas a carvão. No release, o que se vê é que o governo faz tudo para aumentar o componente fóssil de nossa matriz energética e, para esconder o despropósito, comemora o crescimento do álcool, como se fôssemos nos tornar o país totalmente movido a bioenergia, em algum ponto do futuro.

Mas são coisas totalmente diferentes. Não estamos avançando no uso de energias renováveis no setor elétrico. Nele, o carvão avança e a energia eólica patina, embora apresente crescimento aparentemente espantoso, mas que só engana a quem não olha a sua irrisória participação na matriz. Pior ainda, se olharmos o que temos de potência eólica instalada, em relação ao potencial do país, fica claro que a política do governo para o setor poderia ser considerada ridícula, não fossem os danos que contrata para o futuro do país. Temos tudo para ser uma das primeiras economias de baixo carbono do mundo, uma vantagem comparativa e competitiva de primeira grandeza no século XXI, mas o governo e as elites que dele não desgrudam - aí incluídas as novas e as que nunca desgrudam que governo algum - perseguem, como prioridade absoluta, reinventar o padrão industrial dos anos 30-50 do século passado.

Vejam o Quadro 1, retirado do release da EPE, com a oferta total de energia pelas diversas fontes. A oferta cresceu, arredondando, 6%. Gás natural, que é a fonte fóssil de menor emissão, cresceu metade, 3%. O quadro mostra que as fontes não-renováveis cresceram apenas 3%, também. Mas é uma média que embute uma retração de 10% da energia nuclear. O relevante é que o carvão mineral cresceu 9%, isto é, três vezes mais do que a oferta total. Entre as renováveis, a que cresceu mais, 17%, foi a cana. “Outras renováveis”, significa muito pouco, cresceu em torno de 7% do total, mas é um “saco de gatos”, inclui desde resíduos industriais até energia eólica.

O Quadro 2 permite examinar um pouco melhor a participação das diferentes fontes no balanço energético nacional, ele mostra a oferta interna ou demanda total de eletricidade, em terawatt-hora. Ela cresceu 5%, entre 2006 e 2007. As duas fontes de menor emissão - nuclear, com todos os seus outros problemas que a tornam uma fonte polêmica, e o gás natural - tiveram quedas expressivas: -10% e -12%, respectivamente. Por isso, as não-renováveis, tiveram um decréscimo de -4%. Mas notem que petróleo cresceu 8% e carvão mineral, 10%. Ou seja, aumentaram as emissões de GEE associados à oferta total. Ela ficou mais carbono intensiva.

Quando olhamos a parte das fontes renováveis, verificamos que a hidráulica cresceu 6,5%, portanto menos que petróleo e carvão. Biomassa, que inclui lenha, bagaço de cana, lixívia e outras fontes, portanto um saco de gatos do ponto de vista das emissões de carbono, cresceu 8%. Mas, alguém dirá, eólica bateu todos os recordes, mais que dobrou, cresceu 136%. É verdade, mas olhem só a base, é mínima. Em 2006, representava 0,05% da oferta total e, em 2007, passou a 0,14%.

Também é preciso mencionar que no álcool, em São Paulo, por exemplo, segundo as últimas medições por satélite, ainda se queima mais da metade da cana e as autuações por trabalho forçado e degradante não terminaram. Na biomassa, o uso do carvão mineral também envolve carvão de desmatamento e produzido com trabalho infantil ou forçado e degradante, além de danoso à saúde. Aliás, na cana também. O sistema de pagamento por produção leva a uma jornada extenuante, ainda quando obedecidos os direitos formais de trabalho.

Em resumo, nada há a comemorar na divulgação do Balanço Energético Nacional. Ele revela falhas de governança, erros de concepção e absoluta falta de visão ambiental e climática da política energética nacional.

Em um país com capacidade hídrica, eólica, solar e bioenergética como o Brasil, a única coisa que faria sentido seria uma política energética com objetivos claros e explícitos de redução das emissões de gases de efeito estufa, inclusive nas hidrelétricas, e um balanço energético de se comemorar mostraria não apenas os dados de oferta energética, mas também, com toda transparência, as emissões de GEE a ela associadas, destacando as metas para os anos seguintes, voltadas para ampliação da oferta com redução das emissões. Essa energia cada vez mais limpa injetada no sistema produtivo, colocaria no DNA de todos os nossos produtos um selo de política climática responsável que elevaria, imediatamente, a competitividade geral da economia brasileira.

Estamos perdendo tempo, desperdiçando recursos e perseguindo o passado, quando poderíamos estar usando nossas vantagens para dar um salto de qualidade e competitividade global ainda no primeiro terço do século XXI.

(Por Sérgio Abranches*, O Eco, 09/05/2008)
* Mestre em Sociologia pela UnB, PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell e Professor Visitante do Instituto Coppead de Administração, UFRJ.

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