O arrefecimento do conflito agrário em Anapu (PA) após a morte, em 2005, da missionária Dorothy Stang não pôs fim às disputas por terra na região. Há pelo menos três áreas na cidade que são objeto de contendas na Justiça entre pequenos agricultores e fazendeiros. Em dois desses casos, agricultores se dizem ameaçados.
A luta para ocupar o lote 55 da gleba Bacajá, na zona rural de Anapu, foi a origem do conflito que, segundo a acusação contra Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, levou à morte da religiosa. O fazendeiro, inocentado na semana passada pela Justiça paraense, diz que ela foi morta devido a um desentendimento pessoal com Rayfran das Neves, o Fogoió, condenado a 28 anos de prisão por ter atirado seis vezes na religiosa.
Nas áreas hoje sub judice, a situação é similar à verificada no lote 55 na época da morte de Dorothy: agricultores liderados por pessoas ligadas à igreja vivendo em uma região isolada que dizem ser grilada, e os supostos grileiros pressionando para que os agricultores, que chamam de invasores, saiam. Em todas as áreas, a disputa começou no início desta década.
O lote 86 é onde os agricultores mais reclamam de uma suposta ação contínua pela sua expulsão. Lá estão cerca de 30 famílias. A área já foi considerada do Incra e agricultores começaram a receber verbas federais para construir casas, comprar ferramentas e alimentos, o que deve acelerar a produção de culturas como cacau.
As acusações são mútuas. Segundo os agricultores, as ameaças começaram há quase quatro anos. Para a família Peixoto, dona de fazenda próxima e que também reivindica para si a posse do lote, os trabalhadores destruíram uma cerca e usam, sem autorização, uma estrada vicinal que ela construiu.
Os agricultores afirmam que, a mando dos Peixoto, aviões jogaram, em 2004, 2006 e 2007, sementes de capim sobre a terra que cultivavam.
A Folha esteve no lote 86. Lá encontrou o principal líder da comunidade, Juarez Aureliano Fernandes, 61. Ele afirmou que o gado dos fazendeiros destruiu suas plantações. Para ele, a absolvição de Bida piorou a situação. "Ela [família Peixoto] pode mandar [tirar trabalhadores à força]. Com essa soltura, ficou fácil." A reportagem esteve na porteira da fazenda da família Peixoto. Estava fechada e não havia ninguém.
(Por João Carlos Magalhães, Folha de São Paulo, 12/05/2008)