O governo garantiu na quinta-feira (08/05), em seminário na Câmara dos Deputados, que não vai abrir mão do decreto presidencial que regulamenta a demarcação e a titulação de terras dos quilombolas. O decreto 4887, publicado em 2003, é considerado pelo movimento negro como um marco na regularização dos remanescentes de quilombos, mas é alvo de ações na Justiça e no Congresso. O consultor da Advocacia-Geral da União (AGU) Ronaldo Jorge Vieira Junior descartou qualquer mudança no decreto, mas admitiu a revisão da Instrução Normativa do Incra 20/05, que estipula os procedimentos da titulação de terras quilombolas.
O consultor da AGU observou que as normas apresentam contradições com o texto do decreto 4887. "Algumas dessas contradições esgarçam e tensionam a política do governo de demarcar as terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos", disse. As sugestões de mudanças na instrução normativa foram discutidas com as comunidades quilombolas e serão levadas ao presidente Lula.
Burocratização
As novas regras podem exigir mais estudos e procedimentos mais rigorosos para titulação, abrindo maior espaço para contestações de terceiros. Por isso, o advogado e assessor do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) Girolamo Domenico Treccani manifestou a preocupação de que o processo se burocratize ainda mais, diminuindo o ritmo da titulação de terras.
Treccani sugeriu que, na revisão da instrução normativa do Incra, sejam adotados projetos para desenvolvimento das comunidades de quilombolas, como o apoio financeiro à produção agrícola e qualificação de técnicos. Ele criticou a execução do programa Brasil Quilombola, que estaria muito aquém das metas. O advogado citou o exemplo do Pará, seu estado, que tem o maior número de terras tituladas do País. Segundo ele, várias comunidades ainda não teriam visto os efeitos desse programa, que adota políticas públicas de cidadania, saúde, educação e infra-estrutura.
Retrocesso
O subsecretário de Comunidades Tradicionais da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Alexandro Reis, mostrou preocupação especial com o Projeto de Decreto Legislativo 44/07, que suspende o conteúdo principal do Decreto 4.887. A proposta foi aprovada no ano passado pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural e será analisada agora pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
O diretor da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, Ronaldo dos Santos, reclamou das reportagens na TV e nos jornais sobre o tema. "O que está acontecendo é um processo de criminalização do nosso movimento", disse.
De acordo com o governo, há hoje 3,5 mil comunidades quilombolas identificadas no País, das quais 90 já receberam o título da terra e outras 1,2 mil estão em processo de titulação. No entanto, Santos calcula um número de comunidades bem maior do que as 3,5 mil já identificadas pelo governo. "De maneira quase geral, essas comunidades se vêem em conflito pela posse da terra, sobretudo com fazendeiros e grileiros", reclamou.
O Seminário de Políticas de Promoção da Igualdade Racial foi promovido em conjunto pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias; e de Legislação Participativa.
(Por José Carlos Oliveira, Agência Câmara, 09/05/2008)