A inocência dada ao fazendeiro acusado de mandar matar a religiosa Dorothy Stang, cujo assassinato aconteceu em 12 de fevereiro de 2005, deixa transparecer a tendência de criminalizar, punir e eliminar aquelas populações que ainda hoje carecem dos direitos básicos e seus defensores. O comportamento ignora os direitos do conjunto social. Da mesma maneira, a morte da Irmã Dorothy e a inocência aos mandantes de crimes contra aqueles que defendem o Estado democrático de direito mostram a disposição de se manter, na região Amazônica, - a qualquer preço - um modelo de desenvolvimento destruidor e provocador de violência e injustiça social.
Irmã Dorothy Stang foi morta por defender as populações tradicionais da floresta - índios, quilombolas, coletores, ribeirinhos..., as levas de lavradores e pequenos proprietários de terra, os despossuídos, a justiça social e a democracia na ocupação das terras e no acesso às riquezas naturais, o respeito ao meio ambiente, ao povo e às peculiaridades da Amazônia.
O assassino da Irmã Dorothy (cujo chefe foi considerado inocente), não deu à freira de 73 anos armada com uma Bíblia a possibilidade de defesa, nem o direito de recurso. Executou-a a tiros. No mesmo ato, pretendeu - atendendo a uma determinação maior - condenar à morte, no Pará, na Amazônia, no Brasil, a sustentabilidade ambiental, a reforma agrária e a justiça social.
Lembrarei do 06 de maio passado como símbolo do desequilíbrio e da injustiça promovidos pelo modelo de desenvolvimento predatório da Amazônia. Na mesma data em que se ratificou, no Pará, a pena de morte à irmã Dorothy e suas bandeiras de luta, debatíamos, na Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, em Brasília, a absoluta urgência de um novo modelo de desenvolvimento para a região. O atual modelo faz a Amazônia, a Oriental, especialmente, penar com a criminalidade (contrabando, biopirataria, tráfico, grilagem, exploração sexual de crianças e adolescentes, empobrecimento das populações tradicionais, eliminação da floresta...) com o patrocínio de uma organização criminosa forte e rica - no Pará, a extração de madeira rendeu cerca de $ 800 milhões de dólares, ano passado -, paralela ao Estado e, em muitos casos, com a conivência de quem deveria reprimi-los.
Três bispos do Pará ouvidos pela Comissão estão ameaçados de morte por denunciarem crimes que todo mundo vê, todo mundo conhece, mas ninguém combate. Dom José Luís Azcona, de Marajó, Dom Flávio Giovenale, de Abaetetuba, e Dom Erwin Kräutler, do Xingu, estão na mesma mira em que estava Irmã Dorothy e onde estão outros 300 sindicalistas, religiosos, advogados, militantes dos direitos humanos.
Confio. Nem a sociedade do Pará, nem a do Brasil podemos aceitar a fragilidade do Estado, a omissão, a tolerância e a conivência que apenas servem para agravar a confusão, a desordem e a anarquia, o desenvolvimento apoiado na criminalidade e o enriquecimento de poucos com a injustiça. O Estado democrático de direito está sendo sistematicamente confrontado. A sobrevivência da Amazônia e dos seus habitantes depende de tornar soberanos os direitos da maioria da sociedade e não os interesses de poucos criminosos que se sobrepõem ao coletivo ao afrontarem impunemente a lei.
(Por Janete Capiberibe *, Adital, 08/05/2008)
* Foi exilada política durante a ditadura militar, é deputada federal eleita pelo PSB/AP e presidenta da Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional da Câmara dos Deputados