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aves migratórias
2008-05-09
Quem passa pela rodovia Ayrton Senna, na saída da cidade de São Paulo, não imagina a briga que está acontecendo nos lagos e várzeas do Parque Ecológico do Tietê. De um lado, um oponente esbelto, de corpo leve, com cerca de 26 centímetros e bico fino. Do outro, com cerca de 40 centímetros, o oponente de corpo alargado, pernas curtas e bico chato. Eles são maçaricos e marrecos que não deveriam se encontrar – já que seus períodos migratórios não coincidem -, mas que andam disputando espaço nas áreas alagadas do Tietê.

De acordo com a literatura ornitológica, o período migratório dos maçaricos, que vêm no Hemisfério Norte para o sul do Hemisfério Sul em busca de calor, vai de agosto a abril. Neste mês, eles completam sua jornada normal de retorno à casa e ainda podem ser vistos na capital paulista. Já as marrecas, que são migratórias de inverno e partem do sul do Brasil para o sudeste do país, deveriam estar em São Paulo entre maio e junho, mas resolveram adiantar sua viagem. "Teoricamente eles não poderiam se encontrar ou seria um encontro muito rápido", explica o ornitólogo Fábio Shunk. "Agora está a maior festa, tem marreco brigando com maçarico e vive-versa. Um põe o outro pra correr", brinca.

Segundo Shunk, que desde 2007 vem monitorando as aves aquáticas do PE do Tietê, ainda não é possível saber com clareza os motivos desta migração adiantada, já que o tempo de estudo ainda é pequeno. No entanto, ele aponta dois possíveis fatores: a disponibilidade de ambiente alagado – e conseqüentemente alimento – devido às chuvas que vêm ocorrendo no município de São Paulo e região, e as últimas frente- frias que chegaram ao sul do país. "Estas hipóteses só poderão ser afirmadas com o curso deste monitoramento", explica.

Quem há vários anos vem observando o comportamento das aves migratórias de inverno e verão em face às mudanças climáticas é o ecologista Humphrey Crick, da Britsh Trust for Ornithology. Segundo ele, muitas espécies de aves estão migrando mais cedo para seus territórios de reprodução na medida em que o aquecimento melhora as condições do local. "Uma antecipação da temporada em geral aumenta a taxa de sucesso da reprodução e dá mais tempo para que os filhotes amadureçam antes que sejam forçados a migrar para as regiões onde passam os invernos", explicou Crick em entrevista por e-mail à reportagem de O Eco.

Segundo ele, o retorno aos "wintering grounds" – os territórios da temporada de frio - também pode ser atrasado, permitindo que as aves façam mais tentativas de se reproduzir. "Alguns indivíduos de algumas espécies não estão nem se dando ao trabalho de migrar e estão se tornando residentes na Europa", diz. O relatório da WWF de 2006 "Bird Species and Climate Change: The Global Status Report", no qual os trabalhos de Humphrey Crick foram usados, esmiúça em números as observações do ecologista. Segundo o documento, no Reino Unido, entre 26 e 72 % das espécies de pássaros migratórios têm antecipado em até duas semanas seus períodos de migração na primavera, por exemplo.

Todas estas observações, no entanto, são para aves do Continente Europeu. No Brasil, lembra Crick, os estudos ainda não são tão aprofundados como no velho mundo. "Acredito que a situação na América do Sul é relativamente pouco conhecida em comparação com a Europa, onde temos um grande número de dados e elevados níveis de atividades de birdwatching". Em outras palavras, o que o ecologista quer dizer é que, por aqui, faltam estudos como os que Fábio Schunk vem fazendo. "E é um trabalho voluntário", gosta de salientar o ornitólogo, que contou com o apoio do programa AmericanBirding Association.

Outras espécies

O monitoramento que identificou esta mudança na migração dos pássaros que passam por São Paulo também colheu outros dados interessantes. Lá no PE do Tietê, Fábio Schunk fez o primeiro registro do maçarico pisa-n´água (Phalaropus tricolor) para o município de São Paulo; o registro documentado do maçarico-de-sobre-branco (Calidris fuscicollis) no município depois de 107 anos sem esse tipo de registro e os primeiros registros documentados da marreca-pardinha (anas flavirostris) para o Estado de São Paulo e do maçarico-pintado (Actitis macularius) para o município.

Além destas espécies, o Parque Ecológico do Tietê também é povoado por outros tipos de maçaricos, como o maçarico solitário, maçarico-grande-de-perna-amarela, batuíra-de-coleira e batuiruçu, e por marrecas-criri, toicinho, asa-branca, irerê, pé-vermelho e marreca-caneleira. Isso sem falar nas outras espécies de aves – são 93, segundo o Centro de Estudos Ornitológicos -, mamíferos, insetos e plantas.

Há quase dois anos, o ornitólogo também faz trabalho semelhante ao do PE do Tietê na várzea do rio Embu Mirim, região da represa Guarapiranga. Lá, segundo ele, a diversidade de espécies é menor, devido à menor área alagada, mas isso não quer dizer que Shunck não descobriu coisas interessantes no local. Depois de 104 anos sem registros documentados no município, ele conseguiu fazer esse tipo de registro para o maçarico-do-campo (Bartramia longicauda), por exemplo.

Segundo ele, o objetivo principal dos trabalhos é produzir informações que começaram a colhidas no começo do século XX, nas antigas áreas alagadas do Ipiranga, pelos naturalistas do Museu Paulista, hoje Museu de Zoologia da USP. Com a expansão da cidade, as áreas alagadas foram consumidas pelo concreto, o que fez com que os pássaros não mais procurassem o local. "Quero sensibilizar as pessoas para que saibam que tem, sim, bicho migratório dentro de São Paulo e coletar informações que muitas vezes nem vou entender, mas que vão ser usadas por algum outro pesquisador do futuro", diz o ornitólogo, em um convite para que pesquisadores – paulistanos ou não – olhem mais para as áreas verdes da cidade.

(Por Cristiane Prizibisczki, O Eco, 08/05/2008)

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