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trabalho escravo
2008-05-09
Força-tarefa do Ministério Público do Trabalho (MPT) fiscalizou 15 usinas e se desdobrou em 12 ações civis públicas. Negociações para acordos, contudo, seguem abertas. Relatório final será apresentado na Conferência da OIT

Após ajuizar 12 ações civis públicas em abril deste ano, o Ministério Público do Trabalho (MPT) aposta agora numa solução "conciliada" para melhorar as condições de trabalho nos canaviais de Alagoas. As medidas judiciais foram o resultado direto da força-tarefa comandada pelo MPT que fiscalizou usinas alagoanas em fevereiro deste ano. O relatório final da operação será apresentado na próxima Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, na Suíça, de 25 de maio a 14 de junho.

Desde 2006, a Procuradoria Regional do Trabalho da 19ª Região (Alagoas) pressiona o setor pelo cumprimento da Norma Regulamentadora (NR 31) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Mesmo assim, segundo o procurador-chefe Rodrigo Alencar, os usineiros "continuaram desrespeitando a lei". O pedido de indenização pela lesão aos direitos difusos e coletivos dos cortadores foi fixado em R$ 20 milhões para cada empresa. As decisões da Justiça do Trabalho relativas às ações podem demorar até seis meses.

A iniciativa, entretanto, já começa a surtir efeitos. Rodrigo Alencar explica que, após as ações, empresas sucroalcooleiras se mostraram "mais dispostas" a cumprir voluntariamente as exigências. "Existe uma preocupação maior com a imagem do setor e dos produtos para a exportação", afirma. Há cerca de 100 mil trabalhadores em usinas de cana em Alagoas.

Diante do suposto aceno dos produtores, o MPT resolveu mudar a estratégia. Além de aguardar uma decisão liminar favorável ao pleito, pretende investir na "tentativa de conciliação". Os acordos individuais são considerados uma alternativa para acelerar o processo e obter um compromisso dos usineiros. "A gente se preocupa mais com o resultado prático. Queremos uma resolução antes do início da próxima safra, em setembro", coloca o procurador-chefe.

Das 26 usinas instaladas em Alagoas, 15 foram fiscalizadas pela força-tarefa. Até o momento, apenas o Grupo Santo Antônio celebrou um acordo com o MPT, assumindo 40 compromissos. Entre eles, a disponibilização de barracas sanitárias adequadas, garantia de abrigos próprios para as refeições e melhoria nas condições de transporte dos trabalhadores. A usina aceitou pagar uma indenização pelo dano ao interesse difuso fixada em R$ 200 mil.

Trabalho degradante
Ao todo, 650 trabalhadores foram flagrados em situação degradante levando-se em conta toda a operação. Algumas usinas chegaram a ser interditadas. Após inspeções judiciais, porém, todas foram liberadas.

"As usinas do norte do Estado se revelaram mais precárias. No entanto, em praticamente todas foram encontradas situações de degradância", afirma Rodrigo Alencar. Segundo ele, os problemas mais recorrentes foram: ausência de água potável, alojamentos em condições precárias, alguns deles com esgoto a céu aberto, ônibus em péssimos estados de conservação, falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), trabalho infantil e não-pagamento das horas in itinere, que compreende o período de percurso de ida e de volta da casa para o trabalho (quando não há oferta de transporte público regular). Em média, trabalhadores recebiam de R$ 3 a R$ 4 por cada tonelada cortada.

A maioria dos trabalhos do corte de cana-de-açúcar na região, porém, terminou alguns dias após o ajuizamento das ações por parte do MPT. Os procuradores devem retomar a fiscalização em algumas empresas durante a próxima safra, para verificar o cumprimento das exigências. Também entraram com 13 ações de execução pelo descumprimento dos termos de ajustamento de conduta (TACs). Em média, a multa para cada TAC não honrado chega a R$ 30 mil.

O Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Alagoas (Sindaçúcar-AL) acionou o seu escritório em Brasília para dar suporte jurídico às usinas. Marluce Marisa Araújo Rodrigues, da comissão permanente de negociação do Sindaçúcar-AL e advogada do Grupo Toledo, espera que todas as usinas resolvam o imbróglio "administrativamente". "O porte das ações surpreendeu", admite. "Mas acho que não vamos precisar resolver isso juridicamente".

Situação e oposição
Fiscalizada pela força-tarefa, a Usinas Reunidas Seresta S. A - nome fantasia da Usina Seresta - pertence à família do governador de Alagoas, Teotonio Vilela Filho (PSDB). Localizada no município de Teotônio Vilela (a 88 km da capital Maceió), a usina filiada ao Sindaçúcar-AL reúne 1 mil funcionários para o corte da cana e possui uma área de 10 mil hectares. No site do sindicato, a Seresta é apresentada como "um exemplo de empresa moderna, onde a preservação ambiental é aliada a um processo produtivo mais humano, com respeito à cidadania do trabalhador rural".

Cariolando Guimarães, consultor da Seresta, conta que reagiu à notícia sobre a ação civil pública com uma "surpresa grande". "Eles não passaram mais de duas horas na empresa. Simplesmente conversaram com um grupo de trabalhadores, pediram uma série de documentos, como a folha de pagamentos, e foram embora", reclama. Ele garante que a NR 31 está sendo cumprida na usina e diz que a Seresta está recorrendo com relação à ação.

O procurador-chefe da PRT de Alagoas enumera os problemas verificados na Usina Seresta. "Encontramos trabalhadores sem óculos de proteção, expostos à lesão nos olhos e até à perda da visão, pesagem feita com balanças artesanais, abrigos inadequados para as refeições e EPIs desgastados". Acrescenta também que foi constatada a inexistência de barracas sanitárias numa das frentes de trabalho e critica o não-pagamento das horas de percurso. A inspeção na usina da família do governador não contou com presença do grupo móvel do MTE.

Para Cariolando Guimarães, a condição de trabalho na usina "não é de excelência, mas é igual ao Brasil inteiro". Ele garante que a usina possui 40 barracas sanitárias. "De repente, um preguiçoso pode ter esquecido de armar alguma", explica. Afirma ainda que as novas balanças já tinham sido adquiridas, mas ainda não haviam chegado no momento da fiscalização.

Ele critica a decisão da força-tarefa de mover ações contra todas as usinas fiscalizadas. Segundo ele, essa atitude "igualou", por exemplo, a situação encontrada na Laginha, onde foram resgatados 53 trabalhadores em situação degradante, às condições verificadas Seresta, que teria apresentado "falhas pequenas". "Não houve critério", reclama. A Laginha, que fica em União dos Palmares (AL), pertence ao adversário político João Lyra (PTB), candidato derrotado ao governo do Estado e um dos maiores usineiros do país.

"O problema é que o governador é um dos sócios", argumenta o consultor da Usina Seresta, fundada em 1973. "Ele (Teotonio Vilela) sempre liga para a empresa e pergunta se está tudo bem", adiciona Cariolando.

A Repórter Brasil entrou em contato com a assessoria do governador de Alagoas e foi informada que ele prefere não se manifestar sobre o assunto, pois teria se afastado da administração da usina desde o primeiro mandato como senador, obtido em 1986. A reportagem também solicitou um pedido de entrevista com o irmão do governador, Elias Vilela, que cuida da administração da fazenda. Não houve resposta até o fechamento desta matéria.

Pressão internacional
A produção de açúcar e álcool é a principal atividade econômica privada de Alagoas. Cerca de 17% do território do Estado está ocupado com a produção da cana. Para garantir o cumprimento das normas em todas as usinas da região, os procuradores também confiam na pressão internacional. A apresentação do relatório na OIT, no final do mês, é considerado um momento estratégico. "O dossiê é composto pelos relatórios das inspeções nas usinas, mostrando todas as irregularidades encontradas, com depoimentos, fotos e balanço das ações que nós ajuizamos", explica Rodrigo Alencar.

Já Antônio Vitorino, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado de Alagoas (Fetag/AL), alerta sobre a necessidade de uma fiscalização contínua. Ele acredita que o cumprimento das exigências ainda não está assegurado. "O pessoal da cana sempre descumpriu certas determinações. Todo ano nós vamos para a mesa de negociação. Há concordância de todos. Mas, na prática, quase ninguém cumpre".

Segundo ele, "se a convenção coletiva de trabalho fosse cumprida, já seria um grande avanço". Antônio Vitorino afirma que há dificuldades de negociação em alguns pontos críticos, como a definição do valor da tonelada de cana a ser cortada, a melhoria necessária nas condições de transportes e a garantia de água potável e assistência médica aos trabalhadores.

(Por Maurício Reimberg, Repórter Brasil, 09/05/2008)


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