Apesar de ser um mar fechado e relativamente pequeno, que representa somente 1% da superfície dos oceanos do planeta, com seus montes submarinos e suas fossas que alcançam profundidades de até 5 mil metros, ele é um dos ecossistemas aquáticos mais ricos do mundo. De fato, em suas águas habitam 9% da fauna marinha de todo o planeta e nelas foram identificadas 10 mil espécies. Mas o Mediterrâneo que banha nossas costas e que há séculos faz as delícias dos veranistas é um ecossistema extremamente frágil, a ponto de os biólogos advertirem que as crianças de hoje não poderão desfrutá-lo como fizeram seus pais nas últimas décadas.
O boom turístico, um litoral cada vez mais urbanizado, o aumento do tráfego marítimo e a poluição das águas, entre outras causas, somadas aos efeitos da mudança climática, estão provocando profundas transformações no Mare Nostrum e colocando em perigo muitas espécies que vivem nele, como os baleotes, as tartarugas verdes e os golfinhos, que praticamente desapareceram do litoral.
"As mudanças nos ecossistemas ocorrem aos poucos, mas quando chegam são irreversíveis", alerta Suzana Requena, bióloga do Centro de Recuperação de Animais Marinhos (Cram). É o que está acontecendo atualmente no Mediterrâneo, onde encontramos invasões de espécies novas que estão deslocando as nativas; onde estão desaparecendo zonas de pesca que antes eram produtivas; e onde uma parte importante dos animais que vinha agora deixa de fazê-lo. "Começamos a notar as conseqüências da globalização ambiental, que somada à mudança climática desenha um panorama nada promissor", adverte Suzana.
Para começar, o Mediterrâneo é o mar mais poluído do mundo. É o que dizem vários relatórios que a Greenpeace e outras organizações ecológicas realizaram nos últimos anos. Dejetos ilegais, descuidos humanos e o transporte maciço de mercadorias, entre outros, fazem que tudo o que vive nessas águas seja suscetível de desaparecer ou de acabar contaminado. Os litorais urbanos são os mais afetados, já que recebem dejetos domésticos, agrícolas e industriais procedentes da rede de esgotos urbana, assim como dos emissários submarinos.
O turismo também agrava sua saúde debilitada e faz que espécies como a foca monge tenham desaparecido completamente e outras, como as tartarugas e o coral vermelho, estejam prestes a desaparecer. "A proliferação de praias e portos desportivos, de campos de golfe e outros serviços associados ao lazer deixam muitos animais sem hábitat para nidificar e criar, como ocorre com a andorinha-do-mar no delta do Ebro ou a gaivota cinzenta das ilhas Baleares, uma ave marinha que só pisa na terra para pôr seus ovos", explica Requena, coordenadora de um projeto de educação ambiental em colaboração com o programa "La Caixa a favor del mar".
"Apesar de se falar muito na mudança climática em relação à terra, a verdade é que também afeta de maneira importante o meio marinho", afirma Josep Alonso, coordenador científico do Íbero, um veleiro dedicado à pesquisa marinha que faz parte do programa ambiental da Obra Social de La Caixa. "Os mares e oceanos têm um papel essencial na regulação do clima e estão muito relacionados a fenômenos como El Niño."
A diminuição das águas fluviais também contribui para aumentar a temperatura do mar. "A contribuição do Ebro e do Ródano no Mediterrâneo noroeste é essencial, porque esfria o mar e é uma fonte fundamental de nutrientes para muitos peixes, como por exemplo a anchova", explica Requena. Com o aumento da temperatura média da água nas diversas estações do ano, muitas espécies originárias de zonas mais quentes chegam ao Mediterrâneo e substituem as locais. É o caso da alga predadora Caulerpa racemosa e da sardinha alacha, muito freqüentes na costa da Andaluzia e de Múrcia e que há alguns anos pode ser pescada no sul da Catalunha, em detrimento da sardinha comum.
A transformação do hábitat marinho também é um grave problema para os cetáceos. "Evolutivamente, esses mamíferos se adaptaram para emitir e receber sons que lhes permitem detectar suas presas a certa distância e reconhecer o ambiente em que vivem. O sonar são seus olhos, sua voz e seus ouvidos", explica Michel André, diretor do Laboratório de Aplicações Bioacústicas da Universidade Politécnica. A mudança climática, ao modificar os parâmetros de salinidade, pressão e temperatura, distorce a forma como o som se propaga na água e, portanto a visão do entorno que esses animais têm, tornando cada vez mais difícil caçar, comunicar-se e até orientar-se.
Por isso se multiplicam as colisões com barcos, como ocorre com muitos cachalotes que depois de se alimentar durante horas a vários quilômetros de profundidade saem cansados para a superfície em busca de ar e morrem ao chocar-se com os ferry-boats. Todo ano são vitimados muitos desses grandes cetáceos. E não é nada simples se levarmos em conta que um só desses animais precisa comer cerca de uma tonelada de lulas por dia. "Quando um cachalote desaparece, aumenta muito o número de lulas na região, que arrasam com o plâncton, a base da cadeia alimentar, e acabam provocando a deterioração de todo o ecossistema da região", afirma Alonso.
Mas para os especialistas o principal perigo é o ruído, que faz que muitos cetáceos acabem morrendo nas praias. "Essas espécies têm o mecanismo de audição prejudicado pela forte exposição a fontes sonoras que precisam suportar, como manobras militares, transporte marítimo e outras atividades produzidas pelo ser humano", explica André, que dirige um projeto europeu para tentar controlar a poluição acústica nas águas da UE. "Sabemos há 15 anos que o equilíbrio natural do Mediterrâneo está gravemente ameaçado e que a poluição acústica constitui o perigo mais recente e crescente, pois não está regulamentada, diferentemente de outras fontes de poluição como os dejetos químicos. Seu impacto pode ser irreversível", alerta André. "Hoje ainda podemos reverter essa tendência com medidas e soluções tecnológicas, mas logo será tarde demais."
(Por Cristina Sáez, La Vanguardia, tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves, UOL, 09/05/2008)