Cinqüenta organizações e movimentos, do Estado e de todo o País, se manifestaram em nota divulgada nesta terça-feira (6), contra a alteração da Instrução Normativa 20/2005, que reconhece os direitos das comunidades quilombolas no País. Elas exigem que as propostas sugeridas pelos quilombolas sejam analisadas e aprovadas.
Para as entidades, a consulta pública realizada entre os dias 15 e 17 de abril, em Luziânia, Goiás, às pressas, não impediu a participação de cerca de 250 quilombolas, mas não levou em consideração as propostas apresentadas pela Coordenação nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
A nota informa ainda que na ocasião a maioria das propostas de alteração da atual IN Incra 20/2005 sugeridas pelo governo não obteve o consentimento dos quilombolas. Por outro lado, as mais importantes propostas dos quilombolas não foram acatadas, tais como a não obrigatoriedade da certidão da Fundação Cultural Palmares para início do processo de titulação e a adequação dos quesitos do relatório destinado a identificar o território a ser titulado.
A IN 20/2005 estabelece o procedimento administrativo para a identificação e titulação dos territórios quilombolas e sua alteração, tal qual deseja o governo, representa um retrocesso na garantida dos direitos das comunidades quilombolas.
A mudança proposta pelo governo federal baseia-se na necessidade de evitar que iniciativas em curso, junto ao Judiciário e ao Congresso Nacional, suspendam ou anulem o Decreto 4.887/2003, que regulamentou o processo administrativo de reconhecimento dos direitos territoriais previstos na Constituição Federal.
Com isso, afirmam os especialistas, a mudança atenderia, em grande parte, aos interesses do setor ruralista e de algumas corporações transnacionais. Estes setores têm, inclusive, tentado criminalizar o processo de titulação de terras quilombolas, divulgando dados que não correspondem à realidade. Afirmam, por exemplo, que os quilombolas reivindicam 25% do território brasileiro e que as terras seriam tomadas de fazendeiros e empresas, sem o devido processo de desapropriação.
As alterações, alertam os negros, inviabilizariam, na prática, a titulação das terras de quilombolas, ao instituir uma série de novos entraves burocráticos no procedimento administrativo, como maior espaço para as contestações de terceiros. Assim, a medida irá regredir no que diz respeito à solução de conflitos que se sobreponham aos territórios quilombolas.
"Discordamos que a solução para enfrentar as ameaças em curso seja retroceder na garantia de direitos por meio da alteração da instrução normativa do Incra. Na defesa das normas vigentes, temos recentes decisões do Judiciário que reconhecem a auto-aplicabilidade do artigo 68 do ADCT da Constituição Federal e a constitucionalidade do Decreto 4.887/2003", diz a nota.
Neste sentido, as entidades vêm a público reivindicar que as propostas apresentadas pelos quilombolas sejam realmente consideradas, e aprovadas pelo governo federal.
De acordo com o governo, as propostas de alteração não consensuadas na consulta serão analisadas pessoalmente pelo presidente Lula e ministros das pastas afins.
No Estado, além do envolvimento de entidades envolvidas com a campanha nacional contra a alteração da IN, há ainda as manifestações individuais, como a feita pela acadêmica com produção científica sobre os quilombolas, Simone Raquel Batista Ferreira, que também protestou junto ao governo federal.
Os quilombolas do Estado ressaltam que o processo se demonstrou falho desde o início. Afirmam que só foram convocados para a consulta pública para referendar um texto já acabado. Lembram ainda que "os territórios tradicionais são espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais".
Os descendentes dos escravos negros são donos, por direito, do antigo território de Sapê do Norte, formado por grande parte dos municípios de Conceição da Barra e São Mateus. Estas terras são ocupadas atualmente pela Aracruz Celulose, empresa que se instalou com favores dos governos da ditadura militar, e mantidos até hoje.
As comunidades quilombolas se encontram ilhadas pelos eucaliptais da empresa, vítimas da degradação ambiental na região e da falta de opção de trabalho. Eles não conseguem mais plantar e são obrigados a sobreviver da cata dos resíduos dos eucaliptos que, muitas vezes, chega a ser proibida pela Aracruz Celulose. Com os resíduos eles produzem carvão e recebem, em média, um salário mínimo por família.
Os capixabas que desejarem se informar ou se manifestar sobre a questão de alteração da IN 20/2005 podem procurar o Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos cohreamericas@cohre.org; Comissão Pró-Índio de São Paulo, cpisp@cpisp.org.br; Justiça Global, global@global.org.br; Koinonia Presença Ecumênica e Serviço, territoriosnegros@koinonia.org.br; Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, rede@social.org.br; Balcão de Direitos Universidade Federal do Espírito Santo, balcaodedireitos_es@yahoogrupos.com.br".
Os protestos devem ser remetidos para a "Exma. Sra. Dilma Vana Rousseff Ministra-Chefe da Casa Civil casacivil@planalto.gov.br; Exmo. Sr. Josi Antonio Dias Toffoli, Advogado Geral da União, fax: (61) 3344-0243 gabinete.ministro@agu.gov.br; Ilmo. Sr. Rolf Hackbart, presidente do Incra, rolf.hackbart@incra.gov.br".
(Por Flávia Bernardes,
Século Diário, 07/05/2008)