O desmatamento é um problema político-institucional, e não apenas um mito, criado pela imprensa ou por ecologistas, como ainda defendem alguns. Essa é uma das principais conclusões apontadas pelos pesquisadores e especialistas que participaram do primeiro painel do Seminário “Desmatamento da Amazônia: um diálogo necessário. É possível?”, ocorrido na manhã desta terça-feira, dia 6, em Belém (PA).
Destinado ao debate acadêmico, o painel reuniu especialistas de diferentes áreas em torno do tema, como o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Gilberto Câmara. Ele descreveu a eficácia dos métodos utilizados pela instituição para o monitoramento por satélite do desmatamento na região; e Francisco de Assis da Costa, do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), que apresentou seu estudo sobre as diferentes trajetórias de desenvolvimento existentes na região.
"Política agrícola contém desmatamento"
O painel contou ainda com a participação do pesquisador Alfredo Homma, da Embrapa Amazônia Oriental, que defendeu a necessidade de uma política agrícola para conter o desmatamento. “Uma política agrícola seria muito mais importante para conter o desmatamento na Amazônia do que uma política puramente ambiental”, afirmou Homma, que também defendeu um melhor aproveitamento das áreas desmatadas e a recuperação das áreas degradadas, principalmente através do reflorestamento e do plantio de culturas perenes.
Já o pesquisador Roberto Araújo, do Museu Goeldi, falou sobre os problemas sociais que interferem no processo de construção do território na região. “Desde 1970, temos uma tentativa de apropriação simbólica desse território pelo governo”, lembra Araújo. Na prática, ele explica, a ocupação do território na Amazônia se estrutura a partir de dispositivos de retenção-distribuição, baseados em relações de dependência social entre a população local e os grupos que controlam o acesso ao mercado.
A grilagem, a pistolagem, o trabalho escravo e a venda ilegal de terras públicas são algumas práticas inerentes a essa elite dominante, que age fora da lei. “Todo esse processo de apropriação da terra não pode se dar sem que haja um controle dessa elite sobre as instituições públicas”, alerta o pesquisador, que critica a submissão das instituições aos interesses privados nessa região.
A pesquisadora Bertha Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) encerrou as apresentações do painel da manhã desta terça-feira, dia 6, fazendo críticas à comunidade acadêmica. “Vejo processos acelerados de transformação que a ciência não está conseguindo acompanhar a contento. Temos muito conhecimento científico produzido, mas falta a ação correspondente à realidade”, afirmou a pesquisadora que falou sobre o processo de expansão econômica na região.
Grupos globalizados
Segundo Becker, o processo de ocupação da Amazônia nas décadas de 60 e 70 é diferente do processo que ocorre hoje, porque foi pensado e planejado pelo governo brasileiro. “Hoje a expansão da fronteira é comandada por grupos globalizados”, alerta a pesquisadora que distingue dois grandes mercados em disputa hoje na Amazônia: o de commodities e o financeiro, voltados principalmente ao mercado de carbono. “O mercado do carbono é um interesse do mercado financeiro, mas apresenta um discurso de preservação. Na verdade, não acredito que esse mercado traga benefícios para as populações da Amazônia. A floresta vale muito mais do que o mercado de carbono”.
Única mulher a participar do primeiro painel do evento, Becker defendeu a implantação de um capitalismo avançado para a Amazônia e não de um capitalismo primitivo, do século XIX, que transforma a floresta em carvão. “O capitalismo moderno abriu imensas possibilidades de utilização da floresta sem destruí-la. Temos que transformar a floresta em capital brasileiro e amazônico”.
Organizado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (Idesp), o Seminário “Desmatamento da Amazônia: um diálogo necessário. É possível?” busca encontrar soluções para combater o avanço do desmatamento na Amazônia através da interlocução entre diferentes atores sociais, como pesquisadores, organizações não-governamentais, empresários e gestores públicos. “O debate acadêmico e técnico é fundamental para enfrentarmos um problema que é essencialmente político”, afirmou, durante a abertura do evento, o Chefe da Casa Civil do Governo do Estado do Pará, Cláudio Puty.
“O desmatamento não é um fenômeno novo. Por isso, estamos aqui para avançar no que for preciso para combater efetivamente o desmatamento na região”, afirmou a diretora do Museu Goeldi, Ima Vieira, que durante a solenidade, destacou algumas ações que considera positivas voltadas para o combate do desmatamento na Amazônia, como a elaboração do plano de combate ao desmatamento; o combate do trabalho escravo e da grilagem de terra; as investigações do Ministério Público; os planos de manejo sustentável; e o lançamento, pelo governo federal, do Plano Amazônia Sustentável (PAS). Já o coordenador de Pesquisa e Pós-graduação do Museu Goeldi, Nilson Gabbas Jr., destacou a importância das terras indígenas na contenção do avanço do desmatamento, principalmente nas áreas de fronteira.
“Queremos criar um ambiente de conforto e de informalidade para que possamos fazer uma leitura correta sobre o tema que estamos analisando”, afirmou o diretor do Idesp, Peter Mann de Toledo, sobre o formato definido para o Seminário. “Achamos oportuno e necessário confrontar todas essas opiniões diferentes sobre o desmatamento e entender a linguagem de cada um”.
O Seminário “Desmatamento na Amazônia: um diálogo necessário. É possível?”, encerra nesta quarta-feira, com o debate entre representantes do setor produtivo e os gestores públicos sobre o desmatamento e a elaboração de um documento síntese do evento. Conta com o apoio da Rede de Modelagem Ambiental da Amazônia (Geoma) e integra o Ciclo “Idéias & Debates” promovido pelo Museu Goeldi, desde 2002, com o objetivo de democratizar o conhecimento científico produzido sobre a Amazônia.
Serviço
O seminário é aberto ao público, no Auditório Dr. Paulo Cavalcante, no Campus de Pesquisa do Goeldi, na Avenida Perimetral, em Belém do Pará.
(Carbono Brasil, 07/05/2008)