Ministro afirma que fazendas são irregulares; governador critica visita de petista à Raposa
Ministro-relator no STF, que deve fechar parecer nesta semana, diz que situação é "preocupante", mas que cabe à PF resolver impasse
O ministro Tarso Genro (Justiça) afirmou que a fazenda Depósito -encravada na reserva Raposa/Serra do Sol (RR) e que é explorada pelo arrozeiro e prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero (DEM)- não é propriedade privada. "Não há dúvida. Quem responde é a lei, é território indígena." As terras, diz, foram assentadas de "forma totalmente irregular".
A fazenda foi palco, na segunda-feira, de confronto entre índios e arrozeiros. Nove indígenas ficaram feridos. Quartiero, seu filho e mais dez pessoas foram presos anteontem pela Polícia Federal, sob a acusação de formação de quadrilha, tentativa de homicídio e posse de artefatos explosivos.
Indagado sobre a construção das propriedades na reserva antes da homologação das terras em 2005, Tarso disse que o fato não "retira a normalidade da demarcação como não revoga o preceito constitucional de que a terra é indígena", conforme decreto presidencial.
Sobre o confronto dos arrozeiros com os índios, o ministro classificou os ataques como "paramilitares" e de "sabotagem", que foram cometidos por "um ou dois arrozeiros". Disse ainda que a PF e a Força Nacional de Segurança vão continuar atuando na região para desarmar "agricultores ou qualquer pessoa, inclusive índios".
Tarso afirmou que trabalhará com o ministro Nelson Jobim (Defesa) em um decreto, que depois será apresentado ao presidente Lula, para instalar mais postos militares na "grande fronteira amazônica".
Setores das Forças Armadas são reticentes à demarcação de terra indígena. Há algumas semanas, o general Augusto Heleno, comandante da Amazônia, criticou a demarcação, classificando a política indigenista de "lamentável e caótica".
Em Brasília
A PF aguardava ainda ontem a chegada de Quartiero a Brasília, transferido da superintendência da PF em Boa Vista. Por ser prefeito, ele tem foro privilegiado. Como é acusado de cometer crimes federais, será ouvido no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Os demais detidos também devem ser transferidos para Brasília.
Um dos advogados de Quartiero, Luiz Valdemar Albrecht, disse que entrará com pedido de habeas corpus. Ele nega as acusações contra Quartiero.
O governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), criticou a visita de Tarso à Raposa/Serra do Sol, ocorrida anteontem. "O resultado não foi positivo. Haja visto o que aconteceu depois", afirmou ele, referindo-se à prisão de Quartiero e do conflito entre moradores e policiais federais.
"O que entendo é que a fazenda foi invadida na segunda-feira. Na terça, o ministro vai [à região], faz uma vistoria na fazenda, prende todo mundo", disse. "Fui cumprir missão institucional, com resultado altamente positivo para garantir o Estado de Direito", disse Tarso.
No STF
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto, relator das ações que contestam a demarcação da reserva, afirmou que a situação de conflito é "preocupante", mas que cabe à PF, e não ao STF, resolver o caso. Disse que espera fechar seu relatório até o fim desta semana para que o tema seja julgado até o final do mês. "Não compete ao Supremo intervir no confronto."
O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, disse que o assunto é "prioritário". Não determinou, porém, uma data específica para levá-lo ao plenário da casa. Ele já havia dito que os ministros devem debater sobre a questão até junho. O plenário do STF suspendeu, no início de abril, a operação da PF para a retirada de não-índios da reserva, ao acatar liminar do governador de Roraima.
Indenização
As famílias dos índios feridos no confronto de segunda-feira vão pedir indenização a Quartiero, segundo disse o índio Martinho Macuxi de Sousa.
Sousa é o responsável pelo acampamento montado por indígenas ligados ao CIR (Conselho Indígena de Roraima), próximo à vila do Surumu. Ontem já havia mais de 25 barracas, com cerca de 300 pessoas.
Além de exigir indenização, Sousa anunciou que o grupo vai retomar a invasão da fazenda de Quartiero, mas não informou a data. Anteontem o grupo deixou a fazenda do arrozeiro.
(Por Lucas Ferraz e José Eduardo Rondon, Folha de São Paulo, 08/05/2008)