Para Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), absolvição do fazendeiro Bida é "celebração da impunidade" vigente no país
Segundo Celso de Mello, do Supremo, decisão pode dar impressão de que júri não cumpriu dever; Incra e OAB também lamentaram o caso
O ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) repudiou a decisão do Tribunal do Júri de Belém, que absolveu o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, da acusação de ter mandado assassinar, em 2005, Dorothy Stang, freira americana naturalizada brasileira .
Segundo ele, a decisão reforça o sentimento de impunidade vigente no país. "Num ano em que o mundo celebra os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, e o Brasil organiza uma ampla agenda de conferências setoriais, seminários, debates e publicações voltadas à elevação da consciência social sobre a importância de se construir ampla unidade nacional em torno da defesa da vida como bem supremo, é estarrecedor constatar que tristes episódios de celebração da impunidade seguem acontecendo entre nós", afirmou o ministro, em nota.
Dois ministros do STF também criticaram ontem a absolvição. O ministro Celso de Mello afirmou que, apesar de soberana, a decisão pode dar a impressão de que os jurados não cumpriram o seu dever. "Considerado o resultado anterior do julgamento, isso pode transmitir não apenas ao país, mas à comunidade internacional a sensação de que os direitos básicos da pessoa não teriam sido respeitados. Notadamente, aqueles da vítima", disse.
"Pode transmitir uma sensação de que os jurados não teriam cumprido adequadamente o seu dever e não teriam agido de acordo com a alta responsabilidade que se espera dos membros que compõem o conselho de sentença", completou.
Em maio de 2007, Bida havia sido condenado a 30 anos de prisão. Como a pena ultrapassou 20 anos, sua defesa pediu novo júri. Anteontem, os jurados o inocentaram.
Já o ministro Marco Aurélio Mello criticou a norma do Código do Processo Penal que permite um novo julgamento caso a condenação ultrapasse 20 anos. "Não vejo por que colocarmos em dúvida uma decisão judicial considerando apenas o número de anos. Acho, porém, que a imagem do Brasil não restará arranhada, pois prevaleceu a ordem jurídica." Para ele, é "incoerente" que ocorra um "duplo julgamento em um mesmo tribunal". "É hora de rever essa norma."
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cezar Britto, afirmou que o aceno dado pelo Judiciário é "muito ruim". "Um júri condena na pena máxima e outro absolve completamente. Essa diferença pode e deve ser corrigida pelo tribunal na segunda instância."
"Esse tipo de solução afronta a dignidade humana, estimula a impunidade e aumenta a descrença em valores como paz, justiça e esperança", disse Rolf Hackbart, presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
(Por Felipe Seligman, Folha de São Paulo, 08/05/2008)