A imprensa precisa explicar melhor para a população os conceitos que envolvem o tema das mudanças climáticas e apresentar também a discussão do modelo de desenvolvimento, que está na raiz do problema, disse ontem (07/05), em Brasília, o cientista político Guilherme Canela. Ele é o coordenador de Relações Acadêmicas e Pesquisas da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), que realizou uma pesquisa, em convênio com a Embaixada Britânica, analisando a cobertura da imprensa brasileira sobre mudanças climáticas.
Na apresentação da pesquisa aos jornalistas presentes à III Conferência Nacional de Meio Ambiente, numa oficina à tarde, Canela explicou que ela foi realizada de julho de 2005 a junho de 2007, com o exame de 997 textos de 50 jornais de todos os estados brasileiros. Uma das constatações é que a cobertura das mudanças climáticas, no período, foi muito maior nos grandes jornais de circulação nacional (O Globo, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Correio Braziliense e Jornal do Brasil) que nos veículos regionais, onde a cobertura continuou focada nas questões ambientais em geral.
Essa cobertura que se inicia muito restrita em torno do tema, só aumenta nos últimos meses da pesquisa, a partir de acontecimentos de repercussão internacional, como o furacão Katrina, o Relatório Stern, o filme Uma Verdade Inconveniente (de Al Gore), e os relatórios mais contundentes do IPCC, ou seja, a mídia brasileira foi pautada pela agenda externa do assunto. Ao mesmo tempo, embora a cobertura tenha crescido quantitativamente, não houve salto qualitativo na mesma proporção em termos de ampliação, contextualização e profundidade da abordagem.
Uma questão fundamental, destacou, é que a imprensa já assume o aquecimento global e as mudanças climáticas como fato consumado, algo que veio para ficar. No entanto, “a imprensa noticia isso como se o leitor já soubesse do que se está falando, apenas 1% (um por cento) fala o conceito de mudança climática”, criticou o cientista político. Ainda, 17% limitam-se às notícias factuais, apenas 8% noticiam de forma contextual-explicativa (com todos os aspectos, causas e conseqüências) e só 4% explicam aos seus leitores os termos científicos empregados.
Outra observação, é que os jornais discutiram, em 50% do noticiário examinado, uns poucos temas que estão na agenda internacional dos debates, como efeito estufa, energia e conseqüências do aquecimento global (degelo, ameaças aos ursos polares, furacões, etc), ficando os outros 50% dos espaços publicados para todos os demais itens do debate, como desmatamento, mitigação dos efeitos, adaptação, agricultura, pesquisa e vários outros.
Sociedade Civil e ONGs
Também chamou a atenção dos pesquisadores a pouca presença da sociedade civil e das ONGs no noticiário de mudanças climáticas. Aparecem com muito mais freqüência, como atores das discussões do clima, órgãos de governo e governos estrangeiros, acrescentou Canella. “As ONGs da área (ambiental) aparecem em quinto lugar, são muito menos procuradas do que se imaginava, e muito menos do que em qualquer outra área que a Andi já examinou”.
Canela observou ainda que apenas 3% das matérias jornalísticas cobrem e responsabilizam os governos, quando mencionam políticas relacionadas às mudanças climáticas. Por fim, os pesquisadores da Andi tinham certeza que o fio condutor da cobertura da imprensa seria o desenvolvimento sustentável, mas apenas 15% das notícias associam o problema das mudanças climáticas ao modelo de desenvolvimento e sociedade de consumo. “É difícil entender como se faz uma cobertura dessas sem associar as mudanças climáticas com o modelo de desenvolvimento”, criticou.
Na cobertura da pobreza, por exemplo, que já foi pesquisada pela ANDI, o modelo de desenvolvimento aparece em 70% das notícias. Neste caso do clima, Canela acredita que a omissão aconteça porque a mídia está “no piloto automático”, a reboque das catástrofes e acontecimentos de repercussão internacional, precisando despertar para esse aspecto omitido da cobertura, até agora. A III Conferência Nacional do Meio Ambiente, com abertura oficial hoje à noite, tem como tema as Mudanças Climáticas.
(Por Ulisses A. Nenê, EcoAgência, 07/05/2008)