Governo brasileiro acena com projetos de infra-estrutura e investimentos de empresas intensivas em energia
O governo do paraguaio Fernando Lugo, que toma posse em agosto, pretende receber anualmente US$ 1,5 bilhão pela energia elétrica vendida ao Brasil após uma possível revisão do Tratado de Itaipu. Trata-se de uma cifra 5,5 vezes maior que a desembolsada pelo governo brasileiro desde o início de 2007 (US$ 275 milhões por ano), quando foi aceita a mudança na fórmula de reajuste do preço dessa energia.
Para amaciar a inevitável discussão e trazer negociadores do novo governo paraguaio "à realidade", o Itamaraty prepara um pacote com pelo menos 14 acordos de cooperação com o Paraguai e acena com projetos de infra-estrutura e com investimentos de empresas brasileiras intensivas em energia.
"Já disse muitas vezes e repito agora que a essência do tratado não pode ser negociada. Há maneiras de solucionar as replicações justas e realistas (dos paraguaios) sem alterar o tratado", afirmou ontem o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. "Temos de encontrar soluções que deixem os dois lados satisfeitos por meio da negociação, e não com rompantes arrogantes que só servem para humilhar nossos vizinhos. Essa não é a política do Brasil."
No que diz respeito à essência do tratado, o governo brasileiro rejeita a proposta paraguaia de mudança do artigo 13, que prevê que a energia gerada em Itaipu seja compartilhada apenas pelos seus dois sócios. Com isso, abortará a expectativa da equipe de Lugo de vender sua cota de energia a outros vizinhos. Quanto ao restante do tratado, Brasília acena com a negociação de uma terceira revisão do anexo C, que define a fórmula de cálculo do preço da energia vendida pelo Paraguai ao Brasil. Mas já avisou que não aceitará bases irreais.
Uma delas é a alegação de que o Brasil paga apenas US$ 4 por megawatt cedido pelo Paraguai. Segundo o governo brasileiro, esse é o valor depois de deduzidos os custos operacionais de Itaipu e os pagamentos de royalties. O valor real da tarifa seria de US$ 37 o megawatt.
Outra idéia irreal é a equiparação do preço da hidreletricidade ao do petróleo. Fontes do Itamaraty acreditam que esses pleitos tendem a ser diluídos por argumentos técnicos e também pela fragilidade política de Lugo. Sem maioria no Congresso, o ex-bispo católico dependerá do apoio de seu ex-concorrente Lino Oviedo, conhecido como aliado do Brasil, para governar.
Independentemente dessas tendências, os planos do governo brasileiro para o Paraguai de Lugo concentram-se em pelo menos três grandes obras, que atendem diretamente ao objetivo da futura equipe econômica de impulsionar o agronegócio no Paraguai.
A construção de uma linha de transmissão de energia, entre a Usina de Itaipu e Assunção, no valor de US$ 350 milhões, deverá ser conduzida pela Eletrobrás e realizada por empresas brasileiras financiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Como lembrou Amorim, o trecho ferroviário entre Cascavel e Foz do Iguaçu, no Paraná, está incluído no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Essa linha faz parte de um desenho maior, que permitirá uma ligação ferroviária entre os Portos de Paranaguá (PR) e de Antofagasta, no Chile, passando por Encarnación, no Paraguai, e Posadas, na Argentina.
Uma terceira obra do pacote é a construção de um entreposto franco do Brasil em Concepción, no Paraguai, que permitirá o escoamento da soja colhida em Mato Grosso do Sul e nas fazendas paraguaias pela hidrovia do Rio Uruguai.
Além dessas obras, o Brasil espera obter a aprovação do projeto de lei que cria o Regime Tributário Unificado, em tramitação no Congresso. O texto permitirá a formalização dos sacoleiros que se abastecem na fronteira, por meio da aplicação de um imposto único com alíquota entre 15%,18% e 42%.
(Por Denise Chrispim Marin, O Estado de São Paulo, 07/05/2008)