A invasão dos pampas pelos maciços de eucaliptos começou pelo Uruguai, onde atuam as multinacionais Botnia (finlandesa) e Ence (espanhola). O país conta com pelo menos 700 mil hectares ocupados com florestas de eucaliptos. A Ence ainda está implantando sua base florestal, mas a fábrica de celulose da Botnia, em Fray Bentos, na fronteira com a Argentina, já está em operação. Com investimentos de US$ 1,1 bilhão, vai produzir 1 milhão de toneladas de celulose por ano. Os espanhóis vão produzir a metade disso. O governo e os empresários locais saúdam a nova frente econômica, como acontece no Rio Grande do Sul, mas os efeitos dos “desertos verdes” de eucaliptos já são sentidos por agricultores na região de Mercedes, no departamento de Durazno.
O Movimento de Agricultores Rurais de Mercedes, que reúne cerca de 150 produtores, já negocia com o governo uma pauta de reivindicações, onde exigem que nenhum eucalipto mais seja plantado, a desativação da fábrica de celulose, a solução dos problemas de água nas terras dos vizinhos das florestas e a revisão da legislação ambiental, que não impõem limites nem restrições à atuação das multinacionais do setor. O Correio esteve em contato com agricultores e pecuaristas no distrito de Cerro Alegre na semana passada. As florestas locais são mais adensadas do que no Brasil, com maciços bem mais extensos. Encontramos pilhas de toras de eucaliptos que se entendiam por até um quilômetro.
A região sofre com a falta de água. Mesmo proprietários rurais que arrendaram terras para as multinacionais pressionam o governo para resolver o problema, mas não falam abertamente sobre o assunto. Dezenas de agricultores já deixaram a localidade, ou porque venderam suas terras ou porque não conseguem mais uma boa produtividade. A despesa com a operação de bombas d’água encarece o custo de produção. A escola mantida pela intendência de Mercedes contava com 60 alunos há poucos anos. Hoje, não passam de 20. Encontramos várias casas abandonadas perto da estrada que margeia as florestas da Florestal Oriental e da Eu Flores, que abastecem as multinacionais.
Falta de água
O pequeno produtor Humberto Mesquita, de 77 anos, luta para manter as cem cabeças de gado que cria em 75 hectares. Neste ano, também plantou soja, mas a lavoura está praticamente perdida: “Não vale nada. Há muita falta de água. Todos dizem que é por causa dos eucaliptos. Não chove desde dezembro, mas até o ano passado eu conseguia água”, comenta o produtor, mostrando a floresta na linha do horizonte. Ele indica o nome de outro produtor, “meia légua adiante (cerca de três quilômetros)”, que teria mais informações sobre a escassez de água.
Chegamos em três casas abandonadas antes de descobrir a propriedade indicada. Mas o agricultor não quer falar. Arrendou parte da sua terra para as pepeleiras. Indica o nome de Vitor Riva, distante mais alguns quilômetros. Nos perdemos nas estreitas e empoeiradas estradas de terra batida. Mas logo aparece a sua chácara. Riva afirma que as florestas foram plantadas em 1987: “Em 1994 começou a escassez de água. Secaram as canhadas (vale entre duas coxilhas, ou colinas), os banhados, os riachuelos (riachos). Pedimos ao governo que não florestem mais. Secaram todos os poços. Só alcançamos água em poços com profundidade de 48 metros”.
Apesar das dificuldades, a colheita de abóboras foi boa. Mas Riva tem outras preocupações. “As florestas trouxeram muitas pragas, como a chara (cobra cruzeira) e o zorro (um canino selvagem), que come os cordeiros”, conta. Ele também teme pelo futuro: “A terra fica inutilizada com os eucaliptos”. Ele não tem esperanças de conseguir ajuda dos políticos: “Estão todos a favor. Quando chegam ao governo, se juntam todos”. Mas ele esclarece que o principal líder do movimento é Washington Lockhart, que mora ao lado de uma floresta.
Aridez
Formado como técnico agropecuário, Lockhart optou pela vida no campo. Vive na sua chácara há 33 anos. A poucos metros da sua casa se estende um maciço de eucaliptos. “Eu conheço isso aqui antes e depois da chegada das florestas. Em 1994, começaram a secar os poços. Secava um e eu fazia outro. Fiz quatro poços. O primeiro dava água a 10 metros. O último tem 46 metros de profundidade. Tinha três metros de água. Agora, só a metade”, relata. Ele nos acompanha até uma baixada, onde antes havia um banhado. O chão está esturricado, sem água nem grama. Mais adiante, mostra um riachuelo completamente seco: “Aqui, a gente pescava”. Aponta mais adiante e lembra: “Ali, nadavam os cavalos”.
Lockhart conta que neste ano 150 famílias da região foram abastecidas com caminhões pipa: “Abasteciam tonéis nas casas a cada 15 dias”. Afirma que a produção de alimentos era farta na região: “Havia muita produção, mas cerca de 70 famílias se foram. Uma das escolas fechou”. Ele mantém a produção de queijos finos, com tecnologia bem avançada. “A monocultura do eucalipto está prejudicando a produção de alimentos. É um modelo de desenvolvimento do governo. Aqui, todos os políticos estão a favor disso”, lamenta.
(Por Lúcio Vaz, Correio Braziliense, Eco Agência, 07/05/2008)
Esta reportagem integra a série especial publicada desde domingo pelo Correio Braziliense sobre os desertos verdes no Rio Grande do Sul e Uruguai, reproduzida com autorização pela EcoAgência.