A falta de articulação entre dois importantes documentos norteadores do desenvolvimento sustentável no Brasil fez o país perder a oportunidade de implementá-los com mais rapidez.
A conclusão é de uma pesquisa feita na Universidade de São Paulo (USP), que avaliou a Agenda 21 – conjunto de estratégias que se caracteriza por ser um protocolo de intenções para o desenvolvimento sustentável – e os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O trabalho, que analisa os dois documentos surgidos em 2002, apresentando os pontos positivos, avanços, lacunas e perspectivas, foi realizado pelo Projeto do Sistema de Informações Ambientais para o Desenvolvimento Sustentável (Siades), que surgiu em 2003 com o objetivo de construir uma rede de indicadores de desenvolvimento sustentável e de avaliar as políticas públicas ambientais.
Na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, o Siades é coordenado pelo professor Tadeu Fabrício Malheiros, e no Departamento de Saúde Ambiental da USP, pelo professor Arlindo Philippi Jr.
“Essa rede teve por objetivo agregar outros pesquisadores que trabalham com essa temática em diversas universidades, com experiências diferentes em cada estado. Ela também agrega o governo e as instituições relacionadas à elaboração e implementação das políticas públicas no Brasil”, afirmou Malheiros à Agência Fapesp.
A pesquisa, publicada na Revista Saúde e Sociedade, avalia que, apesar de ambos os documentos terem sido desenvolvidos no mesmo momento e possuírem como foco a temática do desenvolvimento sustentável do Brasil, “a não priorização da integração desses processos gerou lacunas no conjunto de indicadores, enfraquecendo a oportunidade de se criar condições para a avaliação e a revisão da implementação do plano nacional de desenvolvimento sustentável e das Agendas 21 locais”.
A Agenda 21 Global é resultante da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), realizada em 1992 no Rio de Janeiro. Seguindo o documento, com estímulo das discussões e dos resultados da conferência, o governo e a sociedade deram início a um conjunto de ações de construção de Agendas 21, focado na realidade brasileira, em âmbito nacional, regional e local.
No Brasil, as experiências de Agenda 21 locais são poucas, entre as quais as iniciativas de São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Joinville e Florianópolis. De acordo com o estudo, quase um terço dos 5.560 municípios brasileiros, informou ao IBGE, em 2002, ter dado início ao processo de agenda local.
“Apesar disso, o tema é ainda recente e requer mais atenção por parte das instituições de pesquisa e aplicação prática pelas instituições governamentais e não-governamentais, com atuação em política e gestão de sustentabilidade”, apontou Malheiros.
Segundo ele, como se trata de um documento resultante de um processo participativo, com status de plano nacional de desenvolvimento sustentável, a Agenda 21 dá subsídio potencial à formulação de políticas focadas no desenvolvimento duradouro. Ou seja, por ser um protocolo de intenções o documento não carrega o poder da obrigatoriedade de implementação, uma vez que não é lei.
“A lei contribui, sim, para a efetivação da Agenda 21, mas não a vemos como fator único, pois as outras questões necessárias para torná-la realidade e fazê-la funcionar de fato estão muito mais na forma de gestão e de operacionalização, e isso tem a ver com as pessoas e como elas atuam. Às vezes, a lei não consegue resolver isso. Essa é a coisa mais importante, esse engajamento da sociedade e das instituições, que não depende da lei, mas de boa vontade das pessoas envolvidas”, afirmou.
Novos indicadores
Também em 2002, o IBGE lançou a primeira edição dos Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS). Dos 50 indicadores, 30 seguem o modelo de indicadores das Nações Unidas, três receberam algumas adaptações, nove foram introduzidos com formulações alternativas e oito, totalmente novos, foram acrescentados para contemplar questões de particular interesse para o Brasil.
“Foram incluídos, por exemplo, o fator desigualdade racial em relação ao rendimento familiar e à educação, o indicador de queimadas e incêndios florestais e o desflorestamento da Mata Atlântica e Amazônia, por serem importantes questões para a realidade brasileira”, disse Malheiros.
Em uma revisão feita em 2004, o IBGE incluiu os indicadores de desertificação e arenização, concentração de poluentes em áreas urbanas, qualidade das águas interiores, balneabilidade, adequação de moradia e acesso à internet, além de incluir novos indicadores de relevância para o contexto brasileiro, como a questão das terras indígenas, tráfico de animais silvestres, doenças relacionadas ao saneamento inadequado, acidentes de transporte, consumo mineral per capita, entre outros, em um total de 59 indicadores.
Segundo o coordenador do Siades, apesar de importantes, as experiências brasileira da Agenda 21 têm concentrado esforços muito mais no período de construção do que na avaliação.
“O desenvolvimento sustentável é uma questão dinâmica, não dá para prevermos ao acaso e, no momento seguinte, achar que as coisas já estão prontas. Para garantir que esse processo dinâmico possibilite a construção da sustentabilidade é preciso ter um processo permanente de avaliação, que permita um constante ajuste”, destacou.
Outro ponto questionável é que os indicadores do IBGE, apresentados em 2004, não têm encontrado paralelo com os objetivos e metas da Agenda 21, deixando algumas lacunas.
“Uma delas, por exemplo, é a área urbana. Sabemos hoje que a sustentabilidade do Brasil depende de tratar a questão urbana. Quase 80% da população vive hoje em área urbana. Temos que considerar isso, essa é uma área descoberta, sabemos que é por falta de informação no país como um todo, mas acho também que se esse olhar tivesse sido dado pela Agenda 21 brasileira, teríamos, quem sabe, melhores propostas”, explicou.
Essa questão, segundo o estudo do Siades, reforça a necessidade de se colocar esforços na integração das atividades de implementação e acompanhamento da Agenda 21 brasileira e dos indicadores IDS do IBGE.
Apesar dessas lacunas, segundo o pesquisador, o Brasil ocupa um posição privilegiada em relação aos países da comunidade européia. “Entendemos que o apoio dado pelas agências de fomento como FAPESP, Capes e CNPq tem sido bastante importante para consolidar uma rede de pesquisa e de promoção de eventos. Na Comunidade Européia, atualmente tem havido muitos cortes de verbas, enquanto nesse sentido o Brasil pode ser parabenizado, pois temos bons investimentos. Sou bastante otimista”, disse Malheiros.
De 30 de junho a 3 de julho, o Siades promoverá o Wipis 2008 – Workshop Internacional de Pesquisa em Indicadores em Sustentabilidade, que será realizado na Escola de Engenharia de São Carlos. Mais informações em http://hygeia.fsp.usp.br/siades.
Para ler o artigo Agenda 21 nacional e indicadores de desenvolvimento sustentável: contexto brasileiro, de Tadeu Fabricio Malheiros, Arlindo Phlippi Jr. e Sonia Maria Viggiani Coutinho, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.
(Por Por Alex Sander Alcântara, Agência Fapesp, 06/05/2008)