Assim como o professor Flávio Lewgoy, fundador e membro da Agapan, detectou alterações na forma de atuar da militância ecológica no Estado, em relação áquela exercida de forma mais visceral na década de 70, é possível observar que, do outro lado do balcão, surge um movimento pouco articulado (e muito desinformado), mas de resultados imediatos e midiáticos, que poderia ser chamado de anti-ambientalismo de resultados.
Quem acompanhou a discussão sobre a implementação do Zoneamento Ambiental da Silvicultura no Estado (o original, não aquele modificado que acabou aprovado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente) já pôde constatar que a militância anti-ecológica traz resultados e, quem sabe, votos mais adiante. Que o digam os deputados que percorreram o Estado defendendo a silvicultura como o grande messias econômico da redenção de uma economia e administração falidas, e os empresários e representantes do setor da celulose.
Com um discurso único que serve para qualquer situação e contra qualquer iniciativa que tenha a sustentabilidade como meta, ele é aplicado e repetido até a exaustão, apelando para um único jargão, ”eles (os ambientalistas é claro) não querem a geração de empregos”. Como se alguém em sã consciência fosse defender isso. Mas o que importa é repetir, repetir e repetir, frente às platéias e eleitores temerosos sobre um futuro incerto. Se tocar em propriedade privada então, o prato está servido. De certa forma, traz à tona a falsa dicotomia entre homem e natureza. O que importa, repetem também os incautos, é o homem, o homem é mais importante que a natureza. O discurso cola.
Refúgio de Vida Silvestre
E essa farsa burlesca foi mais uma vez presenciada em uma consulta pública realizada pelo Ministério do Meio Ambiente e Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (em 29/04), no CTG Rodeio da Saudade, em São José dos Ausentes (RS). Uma platéia atenta de cerca de 300 pessoas enfrentou uma temperatura que (na madrugada) chegou a dois graus negativos para participar da discussão da proposta de criação do Refúgio de Vida Silvestre do Rio Pelotas e dos Campos de Cima da Serra, na divisa entre os Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
A criação de uma Unidade de Conservação naquela região, segundo informa o MMA atende ao compromisso assumido no Termo de Compromisso que possibilitou a conclusão do processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, que alagou áreas significativas de florestas e campos naturais, “boa parte dos quais em excelentes estados de conservação”. Aqui um parêntese: foram submersos e ignorados no EIA/RIMA, mediante uma fraude na documentação, cerca de seis mil hectares de araucárias!).
Ainda segundo o Ministério, foram realizados estudos com o objetivo de garantir a sobrevivência e a reprodução da flora e fauna nativas da região acima da área de inundação da barragem de Barra Grande, interligando a calha do Rio Pelotas e seus principais afluentes, aos Parques Nacionais de São Joaquim e Aparados da Serra.
Justamente para conservar algumas características daquela região, usada pela pecuária extensiva e agricultura (em especial cultivo de maçã e batata) se optou pela proposta de criar um Refúgio de Vida Silvestre, “porque é uma categoria de UC que permite a proteção da área (para flora e fauna), mas que mantém a propriedade privada”, como enfatizou o diretor do departamento de áreas protegidas do Ministério do Meio Ambiente, João de Deus Medeiros.
Mas a maior parte do público resistia as explicações dos técnicos e já com uma opinião formada, aplaudia as manifestações contrárias à criação da UC, que abrangeria uma área aproximadamente de 268.195 hectares. “?É brincadeira a forma como estes estudos acontecem”, bradava o deputado Nelson Hartner, um dos símbolos do anti-ambientalismo de resultados descrito acima. “Não querem a geração de empregos”, emendava, repetindo o mantra da tendência anti- ecológica, que também ignora e desqualifica estudos técnicos.
O mais preocupante nestas manifestações é o grau de desinformação sobre a legislação ambiental vigente (levando em conta o número de assessores que os legisladores possuem e que poderiam pesquisar o assunto). Há leis consolidadas e órgãos competentes que definem competências sobre a questão (quem faz o quê), mas tudo é propositadamente ignorado. Mais tarde, o analista ambiental Ângelo Lima do ICMBio, deu o troco e criticou o que classificou de “processo generalizado de desinformação, que distorce os fatos, e que é contra apenas por questões políticas”. Bingo.
Bastante aplaudido pelo público, o deputado se deu por satisfeito após suas manifestações e foi se juntar ao público, não antes de bater boca com alguns jovens estudantes de biologia que defendiam a criação do Refúgio. Parlamentar já entrando na meia idade batendo boca com estudantes universitários em uma consulta pública, dá para acreditar? E quem diria que o PMDB já teve um papel de destaque na luta contra a ditadura neste país...
Voltando à consulta
Antes de abrir espaço para os questionamentos da platéia, outro personagem não se furtou de dar seu pitaco. Também defensor incondicional da silvicultura (por motivos óbvios), o representante da Ageflor e da Fiergs, Lauro de Quadros (que já foi, em tempos idos, diretor do IBDF, aquele malfado órgão federal de fomento que espalhou pinus pelo Brasil todo), deixou sua posição apenas de observador (que defendia antes da consulta iniciar), talvez animado pelo cenário da região entre Bom Jesus e São José dos Ausentes, dominado por ondas sem fim de pinus que substituem as imponentes araucárias na paisagem local, criticou a demora do governo federal no pagamento de desapropriações de UCs, embora este não fosse o objeto da discussão.
Como insistiam os técnicos do MMA, a idéia do Refúgio é justamente evitar as desapropriações. Mas a realidade, às vezes, não importa. Mais palmas e aprovação por parte da platéia. Na mesa, o analista ambiental Emerson Antonio de Oliveira, do Departamento de Áreas Protegidas do MMA enfatiza o contrário. Segundo ele, com efetivação do Refúgio de Vida Silvestre, ao invés da pecuária e do plantio de batatas em encostas, que acaba levando o agrotóxico para nascentes e lenços freáticos, além de causar a erosão do solo, “há outras formas de atração de recursos”.
Ele lembra, entre outras, a presença do turismo na a região, que pode ser incrementado, bem como alternativas econômicas como o ICMS ecológico. Mas o público resiste e os discursos seguem. A maior parte dos presentes alega que “os produtores rurais são os maiores ambientalistas” e enfatizam que o homem é mais importante que a natureza. Alguém lembra na região hoje há mais araucárias do que há 40 anos atrás Emerson Oliveira não perde a deixa e acrescenta que só há mais araucárias hoje, porque seu corte está proibido e se assim não fosse, não haveria mais um exemplar em pé.
É quase meia noite quando a segunda das quatro consultas encerra, depois de quase cinco horas. O frio domina o ambiente. Há promessas de recorrer à Justiça e evitar o andamento do processo. Além da falta de informação de parte do público, há uma sensação de que para alguns o meio ambiente é uma coisa e o homem outra completamente diferente e é claro, a geração de emprego, outra ainda. Está aí, presente, o anti-ambientalismo fazendo seus resultados. E seus estragos.
(Por Ana Terra Oliveira*, Eco Agência, 04/05/2008)
*A autora é jornalista e ambientalista.