Para Baines, desfazer demarcação da Raposa Serra do Sol iria contra a Constituição e afrontaria os direitos indígenas
Professor do Departamento de Antropologia da Universidade Brasília (UnB), Stephen Baines desenvolve uma pesquisa sobre etnologia indígena e Estados nacionais, na qual analisa casos de Brasil, Canadá e Austrália - que enfrentam debates comuns, tais como a demarcação e a exploração das terras destinadas aos índios. Para o professor, não existe nenhum modelo que possa ser copiado pelos brasileiros, pois as diferenças entre as condições de cada país são enormes.
Isso posto, observa: os aborígines da Austrália têm território maior que o dos índios brasileiros; em 1999 o Canadá destinou a indígenas área contínua quase cem vezes maior que a da polêmica Raposa Serra do Sol e isso não causou problemas; e em todas as terras indígenas abertas à mineração empresarial houve problemas ambientais e culturais. Baines acredita que qualquer decisão no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a homologação da Raposa atentará contra a Constituição e assegura: "Os rizicultores são os invasores."
Na polêmica em torno da Raposa Serra do Sol, ninguém se opõe à concessão de terras aos índios. O problema está na forma da demarcação: em terra contínua ou em ilhas, com a permanência de não-indígenas no território.
A Raposa Serra do Sol foi demarcada em 1998 e homologada em área contínua em 2005. A demarcação e homologação foram realizadas após estudos detalhados das necessidades dos quase 15 mil indígenas que ali vivem e de acordo com a Constituição. Na minha opinião, desfazer agora esse processo seria um ato anticonstitucional e uma reversão do processo de justiça. A permanência de não-indígenas na área seria uma afronta aos direitos indígenas. Os rizicultores são invasores recentes.
Qual é o problema com a demarcação de terras em ilhas?
Em todos os exemplos que conheço, tem trazido problemas graves, com permanentes conflitos fundiários entre índios e fazendeiros. A demarcação em áreas contínuas dá uma garantia aos índios para desenvolverem suas terras da maneira que querem, sem pressões.
Afirma-se que os índios do Brasil já receberam terras demais.
Segundo números de 2005, 109.641.763 hectares - 12,7% do território brasileiro - são reconhecidos como terra indígena. Na Austrália, país pouco menor que o Brasil, segundo dados de 1997, cerca de 117 milhões de hectares - 15% do território - são terra indígena. Em 1999 o Canadá reconheceu o território de Nunavut, em que 85% dos quase 31 mil habitantes são nativos americanos. Nunavut tem 2.093.190 quilômetros quadrados.
Em hectares, Nunavut é quase cem vezes maior que a Raposa, de 1,7 milhão de hectares.
Correto. Trata-se de vasta área no nordeste do país.
O Congresso discute a exploração de recursos minerais em terras indígenas. Há um modelo estrangeiro para resolver isso?
Não. Em geral a exploração de minérios em terras indígenas resulta em destruição do ambiente e impactos negativos, como alcoolismo, doenças e prostituição. Em 2003, o Foro Permanente de Assuntos Indígenas do Canadá revelou que projetos desse tipo causaram destruição de ecossistemas. Na Austrália, constatou-se que atividades de mineração trazem mais prejuízos que vantagens para os povos impactados.
Quem é: Stephen Baines
Mora no Brasil desde 1980 e naturalizou-se em 1991.
É professor do Departamento de Antropologia da UnB e atua como pesquisador no CNPq, com estudos sobre índios de Brasil, Canadá e Austrália.
(Roldão Arruda, Estadão Online, 05/05/2008)