Nessa quarta-feira (30 de abril), na sede do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em Brasília, lideranças de Roraima se encontraram com a imprensa para relatar a tensão vivida pelos povos no local – ainda invadido por arrozeiros. Na coletiva, falaram sobre a real ameaça à soberania e disseram acreditar na manutenção da demarcação integral da Terra Indígena (TI) Raposa - Serra do Sol.
Os representantes da TI Raposa-Serra do Sol, de Roraima, aguardam em Brasília a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a manutenção da área demarcada, após suspensão da operação de desintrusão, no início de abril. “Estamos querendo só ver reconhecido um pedacinho do Brasil para os povos indígenas, pois a grande maioria das terras indígenas brasileiras já está ocupada pelos não-índios”, definiu o coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza.
A possibilidade de o Supremo reverter a decisão de homologação de Raposa em terra contínua preocupa. Dionito afirma que a demarcação em ilhas é inviável, porque afetaria a liberdade dos povos: “Se o STF voltar atrás, não existe lei. Se não fizer justiça, estará violando nossos direitos. Não queremos negociar a presença dos arrozeiros nem o uso da terra por eles. Não queremos viver de migalhas.” Entretanto, a previsão que fazem é positiva: “Acreditamos que o Supremo Tribunal Federal vai fazer valer nosso direito, já que foi o próprio Supremo que determinou a demarcação e a homologação da terra indígena”, disse o indígena, referindo-se a decisões do Supremo em 2005, que garantiram a homologação.
Na conversa com os jornalistas, os líderes disseram que não querem ser vistos pela sociedade como empecilho para o desenvolvimento do país. “Estamos aparecendo como estrangeiros na mídia, mas moramos, nascemos e morreremos em terras brasileiras. Somos brasileiros. Somos povos indígenas deste país”, disse o coordenador do CIR. Ele falou, ainda, que os indígenas são os responsáveis pela preservação ambiental da região e pela defesa da área: "Estamos na nossa casa e vamos cuidar dessa nossa casa preservando a natureza, as matas, os rios. A gente acredita que assim também estamos defendendo nosso país.”
Em resposta às declarações do comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, de que as terras indígenas em áreas de fronteira ameaçariam a soberania nacional, o líder indígena denunciou ações dos rizicultores: “Paulo César Quartiero (líder dos arrozeiros e prefeito de Pacaraima, município no limite das duas localidades) invadiu a Terra Indígena, não paga um centavo ao Estado, quebrou pontes, incendiou casas dos índios... Os invasores colocaram até uma bandeira da Venezuela na entrada da Terra Indígena e os índios é que são ameaça à soberania do país?”.
O dirigente do CIR contou que os rizicultores ameaçam os índios com pistoleiros, dizem que não querem indenização e que não vão sair. “As pessoas que não querem cumprir a lei brasileira querem violar direitos dos povos indígenas e demonstrar que nós temos que ser dominados ou escravizados. Mas nós queremos viver, trabalhar, com dignidade e com respeito na sociedade”, disse o macuxi.
Lourenço Wapichana, líder da Associação dos Povos Indígenas da Terra São Marcos (APITSM), que representa 5 mil indígenas que vivem na área vizinha à TI Raposa-Serra do Sol, contou que as ações do arrozeiros, como a interdição de estradas e bloqueio de pontes, afetam todos os índios das proximidades. Ele disse que a polêmica “pode abrir precedente para todas as outras TIs no Brasil” e por isso espera que seja feita justiça: “Queremos vencer com diplomacia”. Mesmo assim, não se descarta a possibilidade de conflito com os arrozeiros. “ Nós somos vítimas da violência deles. Se houver confronto, será com a polícia e não com os indígenas”.
Dentro dos próximos dois meses, o STF deve julgar o mérito de uma Ação Popular que pede a nulidade da Portaria nº 534/05, do ministro da Justiça, que declara a terra como indígena. No dia 29 de abril, a Procuradoria-Geral da República encaminhou para o STF parecer que considera válida a homologação de Raposa-Serra do Sol em área contínua.
*Na coletiva, também estiveram presentes outras 10 lideranças indígenas do CIR, Sodiur, Alidecir, Apitsm, Apir, Opir e Cecac, além das organziações que compõem o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas – FDDI (Coaib, Apoinme, CIR, Foirn, CTI, Cimi, Inesc, Isa, CCPY, Anai, ABA e Opan).
Campanha
Em busca do apoio da sociedade, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) lançou a campanha "Anna pata Annayan", de solidariedade com os povos indígenas da Raposa-Serra do Sol. A participação consiste no envio de uma carta às autoridades brasileiras, com o pedido de cumprimento o decreto de homologação da TI. Veja aqui.
(Por Katiuscia Sotomayor, ISA, 01/05/2008)