As críticas ao delírio da produção vegetal de combustível vieram de setores sem a mínima ligação com organizações ambientais
Esta é a posição exata do planeta globalizado, da era dos mercados eficientes, sem regulamentações. Do dinheiro que entre e sai a qualquer hora, de qualquer país, apostando no futuro, no que não existe, ou pior: naquilo que é maquiado, falsificado. Como a bolha do mercado imobiliário americano, que trouxe um novo termo para dicionário da população:”subprime”. Ou seja, gente que pegou empréstimo, baseado numa hipoteca, que nunca conseguiria pagar. E que virou uma bola de neve no circo financeiro internacional, a tal ponto de ameaçar a maior economia do mundo. Em janeiro deste ano, os bancos anunciavam prejuízos de mais de 165 bilhões de dólares nos Estados Unidos. Na última semana de abril, o Banco da Inglaterra abriu uma linha de crédito aos bancos de 99 bilhões de dólares, possibilitando a troca de títulos furados, baseados nas hipotecas, por bônus oficiais. Um analista do “Financial Times” a bíblia do mercado financeiro, Martin Wolf escreveu em sua coluna, “que estava decretado o fim do capitalismo do mercado livre”.
Chegamos à seguinte situação: o crescimento ilimitado, a qualquer custo, que todos os países tê que abraçar. Aí entram os emergentes, como China, Índia, Brasil, México, Indonésia, África do Sul. Abrem as comportas ao trânsito de capitais e de negócios. Privatizam , entregam reservas naturais, pressionam os mercados locais, enfim, consumam o delírio global. Depois, “estoura” uma crise financeira internacional, e quem vai socorrer, os bancos? Justamente o governo, os contribuintes. A revista britânica “The Economist” também entrou no assunto, e citou o caso do banqueiro Mat Ridley, que pregava o fechamento do Estado, chamava o governo de ladrão do dinheiro alheio. Faliu. O banco dele foi estatizado na Inglaterra pela bagatela de 16 bilhões de liras esterlinas. A revista, também porta-voz do mundo econômico, ressaltou em um editorial:
- Ele seguiu um modelo agressivo de negócios, cruzou os dedos e apostou que a liquidez estaria sempre ali”.
Dinheiro sem causa
Em 1978, muito antes de se falar em globalização dos negócios, o economista James Tobin, Prêmio Nobel, propôs aos organismos internacionais, que se instituísse uma taxa de 0,1% sobre as transações mundiais de curto prazo, principalmente as realizadas com câmbio. No ano 2000, os países integrantes da ONU se reuniram em Copenhague e mostraram interesse em analisar a proposta. O dinheiro serviria para pagar as mudanças no planeta, a implementação de medidas sustentáveis nos países pobres. As transações mundiais nesta época, giravam em torno de US$ 2 trilhões por dia. Dinheiro que anda de um lado ao outro no mundo, atrás de oportunidades rápidas em bolsas, em operações de câmbio e juros futuros, e agora em commodities. Matérias – primas de baixo valor agregado, que tanto podem ser minerais, como o ferro, ou, comida, caso do arroz, do trigo, do milho.
No início da atual década se calculava em US$ 607 bilhões/ano o montante necessário, na execução de tais medidas, que incluíam combate à pobreza, criação de empregos, educação, treinamento de mão-de-obra, combate ao desmatamento, à perda de biodiversidade, entre muitas outras coisas. Os países industrializados investiriam cerca de US$125 bilhões. A discussão ficou no papel.
Da década de 1970 até o ano 2000 o número de corporações transnacionais cresceu de 7 mil para 60 mil, com mais de 800 mil filiais espalhada no globo. As corporações apresentavam um faturamento anual na ordem de US$ 15 trilhões. As corporações, diz um dos textos usados na época, defendendo a implantação da taxa Tobin, que consideram os regulamentos locais muito onerosos, podem pressionar os reguladores para relaxá-los, ameaçando transferir suas atividades a outras regiões do mundo.
Enxurrada de Potestos
Virou uma prática. Hoje, sem incentivos e desregulamentação, os executivos das tais transnacionais, nem sentam numa mesa de discussão sobre investimentos. Os problemas aumentaram. Asiáticos, como chineses e japoneses, investem trilhões de dólares em títulos americanos. A maior economia do mundo, aparece agora no noticiário da televisão, como país de segunda categoria: placas em supermercados avisando que os consumidores não podem comprar mais do que dois pacotes de arroz. O arroz aumentou 76% nos Estados Unidos. Mas em 33 países do planeta, a falta dele e de outros grãos, como trigo e milho, levou a população as ruas, como no Haiti, na Indonésia, no Egito, Níger, Mauritânia, Tailândia. Uma enxurrada de protestos que esquentaram as discussões sobre a produção de combustíveis, com base em produtos alimentícios.
Os norte-americanos e os europeus subsidiam a produção de suas lavouras na ordem de US$ 365 bilhões anualmente. É um modelo que eles não mudarão nunca. Por quê? O custo do desmantelamento seria muito maior, especialmente no caso europeu, onde pequenos proprietários teriam que arrumar outra atividade na vida. A agricultura dos países ricos é cara e a produtividade é menor do que nos trópicos. Embora os fertilizantes e químicos – pesticidadas e sementes transgênicas -, além da comercialização, sejam domínio de menos de 10 empresas estadunidenses e européias.
O economista Fernando Homem de Mello, um dos maiores especialistas em agronegócio do Brasil (trabalha na USP) disse recentemente que “até 2005 não havia nenhuma alteração nos preços das commodities agrícolas, mesmo com o aumento do consumo na China e Índia”. A corrida pelo delírio dos combustíveis vegetais, seja etanol ou diesel de óleos, começou em 2006, logo depois do anúncio do governo Bush sobre a utilização de 20% de álcool na gasolina. Os Estados Unidos consomem 540 bilhões de litros de gasolina ao ano. A substituição até 2017 significam 132 bilhões de litros de etanol. No ano passado eles usaram 80 milhões de toneladas de milho na produção de etanol.
Simplesmente jogaram o mercado de rações e aves, suínos e bovinos nas alturas. Conseqüência em toda a cadeia produtiva. Na Europa, segundo Fernando Homem de Melo, fala-se de 100 milhões de toneladas de grãos para produção de diesel. A União Européia também busca a meta de substituição de 20% de combustíveis “renováveis”.
Outro Endereço
As críticas ao delírio da produção vegetal de combustível vieram de setores sem a mínima ligação com organizações ambientais. Entre eles: Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial: - A crise pode afetar 100 milhões de pessoas, pedimos aos doadores que contribuam com US$ 500 milhões, ao Programa Mundial para a Alimentação da ONU.
Dominique Strauss Khan, presidente do Fundo Monetário Internacional(FMI) : - Milhares de pessoas passarão fome, o que levará a uma quebra do sistema econômico. O desenvolvimento obtido nos últimos 5 ou 10 anos poderia ser totalmente perdido. Jean Ziegler, relator especial da ONU, disse que “a produção em massa de biocombustíveis representa um crime contra a humanidade, por seu impacto nos preços mundiais dos alimentos e por reduzir as áreas das lavouras”.
No Brasil, o ex-ministro Roberto Rodrigues, agora coordenador do grupo de agronegócios da Fiesp (Federação das Indústrias de SP), também produtor de cana e de soja comentou recentemente: - Nos próximos 30 anos, a demanda por energia crescerá 50% e a da comida 42%. A agricultura terá que suprir as duas áreas.
O Brasil, ainda segundo ele, conta com 62 milhões de hectares plantados. E outros 180 milhões de hectares com pastagens, dos quais a metade são aptos à agricultura. No Brasil, concluiu ele, “poderemos crescer uma vez e meia”, o que elevaria a área agrícola para algo em torno de 150 milhões de hectares. Importante ressaltar: quando se fala em pastagens degradadas que podem ser usadas em lavouras, os líderes do agronegócio e os representantes oficiais, nunca explicam que elas são ocupadas por milhões de cabeças de gado. E precisarão encontrar outro endereço. A lâmina da navalha vai começar a cortar.
(Por Najar Tubino, Ecoagência, 03/05/2008)