A atual crise nos preços dos alimentos, que está colocando o planeta em polvorosa, tem pouquíssima relação com a capacidade do planeta para produzir comida. Para especialistas em produção agropecuária e ambiente, há uma enorme margem de manobra para aumentar a produtividade em áreas que já servem para plantar e criar animais. E abrir novas frentes agrícolas não vai necessariamente aliviar a situação, já que, nas últimas décadas, a produção cresceu sem que houvesse um aumento correspondente na área plantada ou usada para pecuária.
"O que eu posso garantir é que, com a área agrícola disponível hoje no planeta, sem abrir nenhum hectare novo de lavoura ou pasto, dá e sobra para alimentar a população mundial. E digo que ainda sobra um bocado de área para produzir biocombustíveis", resume Luis Fernando Laranja da Fonseca, coordenador do Programa de Agricultura e Meio Ambiente da ONG WWF-Brasil.
"Conforme a população mundial foi crescendo, até chegar a cerca de 3 bilhões [nos anos 1960], a área agrícola do mundo aumentou na mesma proporção", conta o britânico Stuart Pimm, biólogo da Universidade Duke, nos Estados Unidos. "No entanto, quando a população dobrou e chegou a 6 bilhões, a área usada para agricultura e pecuária ficou mais ou menos inalterada, no nível que tinha alcançado quando havia 3 bilhões de pessoas no mundo, ou seja, cerca de 15 milhões de quilômetros quadrados."
Menos área por cabeça
Para ser mais exato, diz Fonseca, em 1965 a relação entre terra produzindo comida e seres humanos consumindo essa comida era de 1,3 hectare agrícola por pessoa, enquanto hoje essa relação caiu para 0,7 hectare. Além disso, o consumo de calorias por cabeça também cresceu - de menos de 2.400 kcal por dia para quase 3.000 kcal diárias no mesmo período. O aumento da eficiência agropecuária, portanto, é indiscutível.
Para o pesquisador do WWF, é difícil estimar o potencial máximo da agropecuária moderna para alimentar a população mundial, principalmente porque é impossível prever os caminhos que a produção vai tomar -- diferentes culturas e rebanhos podem ser mais ou menos eficientes para colocar comida na mesa. No entanto, dados sobre a produção de alimentos no Brasil sugerem que o potencial para melhora ainda é significativo.
"Pegue a pecuária extensiva brasileira, por exemplo. Em um hectare, ela produz cerca de 40 kg de carne por ano. Nesse mesmo hectare, é possível colher 2.800 kg de soja anualmente", compara Fonseca. A equação ainda vale mesmo quando se considera o aumento da demanda por proteína animal no mundo. Trata-se de um fenômeno universal: toda vez que há ascensão social e crescimento econômico em países emergentes (o caso mais recente é o da China), a população busca comer mais carne, ovos e laticínios.
"Em muitos casos, você não perde a eficiência se decidir produzir proteína animal usando o farelo de soja como ração. O frango tem altíssima capacidade de conversão energética, por exemplo - com 1,5 unidade de proteína vegetal, você consegue 1 unidade de proteína de frango. No caso do porco, essa conta é de 2 unidades de proteína vegetal para 1 unidade de carne suína. Tudo é uma questão do tipo de proteína animal que você quer produzir", afirma o pesquisador do WWF-Brasil.
No caso brasileiro, a imensa maioria das terras aráveis - uns 200 milhões de hectares - vão para a pecuária, enquanto pouco mais de um quarto disso fica nas mãos da agricultura. Alterações nesse balanço ou a intensificação da pecuária, quase sempre extensiva por aqui, poderiam aumentar dramaticamente a produtividade nacional.
Espaço para crescer?
Se as oportunidades para aumentar a eficiência agropecuária são inquestionáveis, o mesmo não vale para o crescimento da área plantada. Stuart Pimm lembra que, dos atuais 15 milhões de quilômetros quadrados usados para a produção de alimentos, 2 ou 3 milhões recebem menos de 500 milímetros cúbicos de chuva por ano. "Isso nos diz que a terra agricultável já é bastante marginal [ou seja, não oferece condições agrícolas ideais]", afirma ele.
E significaria também que as áreas ainda por ocupar também têm um potencial agrícola bastante baixo. "Um exemplo: por que os brasileiros não produzem mais nas terras que foram desmatadas na mata atlântica? Bem, uma maneira de responder isso é levar em consideração que eu acabei de ajudar alguns amigos brasileiros a comprar 150 hectares de pastagem e doar a terra ao Instituto Chico Mendes [órgão conservacionista do governo federal]. Conseguimos fazer isso porque essas pastagens têm um solo tão ruim que nunca vai ser possível plantar algo valioso nelas, e portanto a terra é barata", conta Pimm.
Fonseca concorda que muitas das terras hoje não ocupadas pela agropecuária são marginais, mas lembra que outro ponto importante é a necessidade ambiental de preservá-las, mesmo se forem potencialmente úteis. Em boa medida, a produtividade agrícola depende da preservação de áreas naturais, capazes de prover os chamados serviços ambientais: renovação dos recuros hídricos, manutenção do solo e polinização, entre outros fatores cruciais. Se fosse possível transformar todas as terras do planeta em fazendas, o mais provável é que elas entrassem em colapso produtivo justamente por não contar com esses serviços, providenciados "de graça" pelos ambientes naturais.
(Por Reinaldo José Lopes / G1, Ambiente Brasil, 02/05/2008)