A disposição do lixo urbano é, notoriamente, um dos maiores desafios dos grandes centros. Mas, no Rio de Janeiro, os procedimentos nesse sentido deixaram de ser um problema a ser enfrentado pelo poder público: viraram caso para a Justiça.
Estão em curso os trâmites para o licenciamento ambiental do chamado Centro de Tratamento de Resíduos do Rio de Janeiro (CTR – Rio), em Paciência, bairro na zona oeste da cidade. Trata-se de um aterro sanitário, cujo projeto de construção já foi licitado, saindo vencedor o Grupo Júlio Simões, mais conhecido na área de transportes. O grupo engloba a empresa Stralu – Sistema Transparente de Limpeza Urbana – que opera com resíduos em serviços de saúde, industriais e comerciais.
No dia 3 passado, foi realizada uma audiência pública para apresentar o projeto do Aterro Sanitário à comunidade, como parte do processo para obtenção da licença prévia, a cargo da Feema (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente). Mais um passo no imbróglio que se formou em relação à proposta e que já dura pelo menos oito anos.
“Foi a quinta vez que marcaram essa Audiência em quatro anos de embates jurídicos que já somam 57 ações na Justiça contra o empreendimento. As outras quatro (audiências) foram suspensas por liminares devido a erros e omissões no Estudo de Impacto Ambiental e no processo de licenciamento ambiental”, disse a AmbienteBrasil Eduardo Bernhardt, consultor da ONG Associação Ecológica Ecomarapendi.
Segundo ele, o Aterro Sanitário de Paciência promete ser um modelo para o Brasil, mas, analisando-se o projeto e o Estudo de Impacto Ambiental, o que salta aos olhos é um excelente negócio para a empresa que vier a operá-lo.
“A construção e operação deste aterro, que custará aos cofres públicos quase R$ 1,5 bilhão para cerca de 20 anos de concessão, expandiu a relação entre empreendedor e Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) a níveis quase pornográficos”, diz Eduardo. “São amantes numa relação de adultério em que o povo, traído, sairá perdendo como nunca antes na história moderna do saneamento ambiental e da administração pública carioca”, completa.
O empreendimento desperta reações contrárias da comunidade há tempos. Em maio de 2005, AmbienteBrasil publicou reportagem - Protesto contra o Aterro Sanitário de Paciência, no Rio de Janeiro, inclui “presentear” presidente da Comlurb com ratos e baratas -, expondo esse descontentamento.
“A Prefeitura carioca vai despejar lixo bem em cima da cabeça dos pobres”, declarou então ao portal o ambientalista Sérgio Ricardo, coordenador do Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida da Zona Oeste e da Baía de Sepetiba.
O bairro de Paciência, onde se pretende enterrar 10 mil toneladas de lixo por dia, é uma área densamente urbanizada e com grande contingente populacional.
Eduardo Bernhardt lembra que já houve tentativa de implantar um aterro sanitário exatamente naquele local, construção que chegou a ser licitada, só que ganha por outra empresa. “A ação contra essa ainda não foi concluída e já fizeram nova licitação pra outra empresa fazer o aterro sanitário no mesmo lugar; teoricamente, aquele terreno está em litígio”, coloca.
A Associação Ecológica Ecomarapendi enviou carta à ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, em 2006, apontando vários problemas relativos ao empreendimento, muitos dos quais alicerçados na legislação vigente. Exemplo: a localização proposta para o empreendimento fere a Lei Municipal 519/84, que exige uma distância mínima de 1 quilômetro de núcleos urbanos.
Ainda segundo a ONG, o terreno escolhido pela empresa Júlio Simões está localizado a menos de 10 km. da Base Área de Santa Cruz e próximo ao aeroporto de Jacarepaguá. Portanto, o terreno estaria inserido em Área de Segurança Aeroportuária – ASA -, onde, de acordo com o artigo 2º da Resolução CONAMA 004/95, fica proibida a implantação de atividades de natureza perigosa, assim entendidas como aquelas que possam tornar-se “foco de pássaros”. Proibição de mesmo teor consta da Portaria 1.141/GM5, de 8/12/87, do Ministério da Aeronáutica.
“Ora, um empreendimento que tem por objeto o lixo tem grande potencial de atrair urubus, a principal ave envolvida em acidentes aéreos”, lembra a Ecomarapendi na carta à ministra, citando ainda as Resoluções Conama 005/93 e 283/2001, revisadas em 2005, que vedam a disposição de resíduos sólidos de serviços de saúde sem tratamento prévio. “No Projeto em questão não consta unidade de tratamento de resíduos sólidos de serviços de saúde e não há outra opção no município”.
AmbienteBrasil tentou ouvir a Feema sobre as questões apontadas pela ONG em relação ao licenciamento do aterro, mas, até o fechamento dessa edição, não obteve resposta da Assessoria de Imprensa.
(Por Mônica Pinto, Ambiente Brasil, 01/05/2008)