A quase 3.800 metros de altitude, deveria ser possível respirar ar fresco e puro em La Oroya. Mas assim que você se aproxima da cidade, em um vale central dos Andes peruanos, a tosse, os olhos lacrimejantes e um constante sabor metálico lhe mostram que não. Os picos ao redor perderam o verde, deixando a rocha nua. No meio do vale, uma enorme chaminé de cerca de 200 metros solta fumaça com alta concentração de arsênico, chumbo e cádmio da fundição local.
Situada em uma histórica área de mineração, La Oroya é uma cidade com cerca de 30 mil habitantes que dependem quase totalmente da fundição para sobreviver; mas essa sobrevivência parece estar ameaçada. "Eu tenho câncer de pulmão devido à fumaça que respiro há anos", diz Pedro Córdoba, um trabalhador da usina que é operada pela Doe Run Peru, uma subsidiária da Doe Run Company, parte do conglomerado industrial Renco Group.
As fumaças da fundição ficam presas no vale, e é por causa delas que o Instituto Blacksmith, um grupo de pensadores ambientais sediado nos EUA, classifica La Oroya entre os dez lugares mais poluídos do mundo. Em 2007 foi classificado em sexto lugar, pior ainda que Chernobyl, na Ucrânia. Ironicamente, na entrada da fundição uma placa diz: "Vamos proteger o meio ambiente para as futuras gerações".
Mas essas futuras gerações são as mais afetadas. Três anos atrás, o Ministério da Saúde peruano descobriu que 99% das crianças de La Oroya com menos de 6 anos tinham níveis de chumbo no sangue muito acima das normas de segurança. Um estudo recente conduzido por neurologistas locais mostrou que os bebês estão nascendo com chumbo no sangue. "La Oroya está em uma situação muito grave de saúde pública", explica Hugo Villa, um neurologista local. "E a fundição é a fonte disso e a companhia e o governo [peruano] estão fazendo muito pouco para resolvê-la."
Segundo os críticos, o governo do Peru foi indulgente demais enquanto a extração e exportação de metal foram a coluna vertebral de seu impressionante crescimento econômico, e o país precisa do investimento estrangeiro de companhias como a Doe Run. Miguel Curi, do Movimento para a Saúde de La Oroya, é um dos que se manifestaram contra a empresa. "É inaceitável que a Doe Run continue envenenando o ar e o sangue de nossas crianças", ele diz.
Mas a empresa alega que o lugar sofre de "poluição histórica". A fundição foi inaugurada em 1922, quando era dirigida pelo império da mineração Cerro de Pasco. A Doe Run a comprou em 1997 da companhia estatal Centromin. "Eles têm razão ao alegar que herdaram uma situação de poluição acumulada e uma usina com tecnologia que se sabia que continuaria contaminando", diz Martin Scurrah, um especialista em mineração nos Andes do Centro de Estudos Sociais Peruano.
No entanto, parte da aquisição envolveu a obrigação de realizar um programa de investimento para modernizar a tecnologia e reduzir a poluição. "Eles estiveram constantemente atrasados na implementação desse programa ... exigindo que o acordo fosse renegociado e o período ampliado", acrescenta Scurrah. Mas segundo a Doe Run Peru, ela investiu US$ 50 milhões a mais do que se comprometeu. A companhia limpou as águas verde-escuro do rio Mantaro no vale e está construindo três usinas de aço sulfúrico que vão reduzir as emissões de chumbo e arsênico.
Victor Andrés Belaunde, o porta-voz da empresa, disse que é "um projeto de longo prazo, mas estamos dedicando todos os nossos esforços e reinvestindo todas as nossas receitas". Ele acrescenta que "desde o ano passado começamos a ver alguns resultados positivos". Uma pesquisa recente da companhia mostra uma redução nas emissões de chumbo em comparação com o ano passado. Hoje a Doe Run Peru diz que os níveis de emissão de arsênico e chumbo estão até um pouco abaixo dos níveis permitidos por alguns padrões ambientais internacionais. "As emissões estão no nível mais baixo na história de La Oroya", diz Belaunde.
Mas em fevereiro o Conselho Nacional para o Meio Ambiente, governamental, declarou que em 2007 a Doe Run não satisfez os padrões de qualidade do ar. Segundo o secretário-executivo do conselho, as instituições estatais deveriam se envolver mais. Belaunde, da Doe Run Peru, concorda: "O problema é de tal magnitude que supera o que podemos fazer como companhia". Segundo Scurrah, é difícil atribuir culpas, porque tanto a companhia como o governo são responsáveis pela situação. "Desde 1997 a Doe Run Peru e o governo fizeram de modo geral o mínimo possível para remediar a situação."
(Por Andres Schipani, Financial Times, tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves, UOL, 02/05/2008)