Integrantes do Quilombo Silva em Porto Alegre criticaram, na manhã desta terça-feira (29/04), proposta da Secretaria do Planejamento Municipal (SPM) que prevê a abertura de uma via pública no interior do quilombo, localizado no Bairro Três Figueiras, para fins de mobilidade urbana previsto no planejamento viário do município. O presidente da Associação dos quilombolas na região, Lorivaldino Silva, rejeitou o projeto e foi enfático: “Uma rua não pode valer mais do que 508 anos de história, de luta e de resistência de um povo”. As manifestações foram ouvidas na reunião da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) da Câmara Municipal.
Advogado de defesa da comunidade, Onir de Araújo, argumentou que a Constituição Federal já reconheceu o direito dos remanescentes de quilombos de deterem a posse da terra. Segundo Araújo, a posição do Executivo de Porto Alegre fere com os preceitos legais e com a luta do povo negro por sua emancipação. “Querem rasgar o coração do Quilombo ao meio em mais uma tentativa de limpeza étnica deflagrada. Os governos não podem privar os povos tradicionais do direito legítimo a sua territorialidade”, registrou.
O presidente da Cedecondh, vereador Guilherme Barbosa (PT), leu aos presentes recomendação formulada pelo Ministério Público Federal (MPF) e enviada à prefeitura no mês de março sugerindo que o governo municipal “se abstenha de construir a estrada na área destinada ao Quilombo por descumprir com lei federal”. Segundo José Antônio dos Santos, do Conselho de Desenvolvimento das Comunidades Negras, além do reconhecimento federal, existe o projeto de lei sancionado pelo prefeito em 2006 que torna o terreno dos quilombolas em Área Especial de Interesse Cultural (AEIC). “Aquele espaço é de propriedade da família Silva e só cabe a ela decidir o que fazer com a terra”.
Presente na reunião, o engenheiro da SPM, Breno Ribeiro explicou que o projeto de ampliação da rua João Caetano cortará o Quilombo devido a sua necessidade técnica. Segundo ele, a proposta já estava prevista no plano viário da cidade antes mesmo da formação do Quilombo. “Os estudos da Secretaria comprovaram a importância da rua para melhorar o fluxo no interior da cidade”, justificou ponderando que a posição da prefeitura ainda não está completamente definida sobre as obras.
O advogado rebateu as explicações de Ribeiro alegando que a partir do momento em que um terreno público recebe o agravame de área especial para consolidação das tradições e da história de um povo, ele não pode ser mais explorado com outro fim. “Os projetos da prefeitura precisam ser atualizados e coerentes com o momento atual. Existe um quilombo reconhecido legalmente que não pode jamais ser destruído”, frisou Araújo.
Encaminhamentos
Para solucionar o conflito na comunidade, os vereadores da Comissão propuseram que a Cedecondh peça à SPM que envie o projeto sobre o plano viário de Porto Alegre à Câmara Municipal. “Precisamos analisá-lo e reformulá-lo se necessário for”, disse um dos membros da Comissão, vereador Carlos Comassetto (PT). Além disto, os vereadores pedirão ao prefeito José Fogaça que responda à recomendação feita pelo MPF para não traçar a via dentro do Quilombo. Um documento da Câmara Municipal também será elaborado pedindo que a Prefeitura desista da iniciativa de prolongar a estrada.
Sobre o Quilombo
O Quilombo Silva, localizado no Bairro Três Figueiras, é o primeiro quilombo urbano do Brasil – regularizado pelo Incra em 2007. Os familiares ocupam a área há 68 anos e conquistaram, no ano passado, o Certificado de Reconhecimento da Fundação Palmares. A legalização foi baseada em laudo antropológico que comprovou os laços étnicos, culturais e territoriais dos Silva com o local. A área possui cerca de 5 mil metros quadrados e abriga cerca de 60 pessoas.
(Por Ester Scotti, Ascom CMPA, 29/04/2008)