Prefeitos e moradores manifestaram-se contra o projeto de criação de um espaço de vida silvestre nos Campos de Cima da Serra, proposto pelo Ministério do Meio Ambiente. A preocupação principal é com a atividade agrícola e o tamanho da área prevista - 270 mil hectares. Ambientalistas defendem o corredor ecológico na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina.
São José dos Ausentes - Boa parte da comunidade e os prefeitos de 16 cidades do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina posicionaram-se contra a criação de um refúgio ambiental na divisa dos dois estados, na noite de segunda-feira (28), em uma audiência em Bom Jesus, nos Campos de Cima da Serra. Associações ambientalistas e pesquisadores são a favor da proposta, discutida também ontem (29) em São José dos Ausentes. O projeto do governo federal pretende preservar uma área de 270 mil hectares no Rio Pelotas.
Os principais argumentos contrários são o tamanho da área a ser preservada e a indefinição sobre o que os produtores deverão fazer para dar continuidade à produção - pelo projeto, 5,5 mil hectares atualmente mantêm propriedades agrícolas.
- A manifestação foi contrária porque a área é muito grande, e sugerimos que ela seja reduzida. No nosso município, o projeto ocupa 54,8% da área total - diz o prefeito de São José dos Ausentes, Erivelto Sinval Velho (PMDB).
O assessor técnico do Departamento de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Emerson Antonio de Oliveira, explica que esse aspecto será estudado e definido antes que o projeto seja enviado para aprovação à Presidência da República, dentro de dois meses. O município de Cambará do Sul é contrário à criação do corredor porque, segundo o prefeito Aurélio Alves de Lima (PP), o espaço tende a se tornar parecido com os parques existentes na cidade, o da Serra Geral e o dos Aparados da Serra.
- No ano que vem, vamos comemorar 50 anos do Parque Nacional dos Aparados da Serra e ainda há questões de regularização fundiária e indenizações que não foram resolvidas. O da Serra Geral foi criado em 1992 e 97% do pessoal ainda não foi indenizado - aponta Lima.
Para ele, o plano de manejo das propriedades deveria ser mais claro. Na opinião do prefeito de Bom Jesus, José Paulo de Almeida (PMDB), instituições de educação da região, como a Universidade de Caxias do Sul, deveriam auxiliar no projeto.
Dois anos de atraso
Nascido de um termo de compromisso entre o MMA e o Ministério Público em 2004, para a conclusão do licenciamento ambiental da Usina de Barra Grande, entre Anita Garibaldi (SC) e Pinhal da Serra (RS), o estudo para a criação do refúgio só começou de fato em 2006. O termo determinou que a preservação deveria contemplar a área acima do espaço de inundação da barragem de Barra Grande, interligando a calha do Rio Pelotas aos Parques Nacionais dos Aparados da Serra, em Cambará do Sul, e de São Joaquim, na serra catarinense. O assessor técnico do MMA explica que o atraso no início do estudo ocorreu devido à equipe reduzida do departamento:
- Como atuamos em todo o Brasil, avisamos o Ministério Público que não conseguiríamos começar o projeto no prazo e o entregamos pronto em outubro do ano passado.
Usinas ameaçam o Rio Pelotas
No curso do Rio Pelotas, existem três usinas hidrelétricas instaladas: a de Itá (no oeste catarinense), a de Machadinho (entre a gaúcha Maximiliano de Almeida e a catarinense Piratuba) e a de Barra Grande. O próximo empreendimento previsto é a usina de Pai Querê, prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, ao custo de R$ 969 milhões.
A usina vai gerar 292 megawatts de energia, entre Bom Jesus (RS) e Lages (SC). Como sua área estaria dentro do espaço do refúgio, o assessor técnico explica que as duas propostas não seriam compatíveis.
- Pelo aspecto técnico, a usina bloquearia o objetivo de preservação. Por exemplo, com a barragem os peixes não poderiam mais subir o rio. Só que isso não compete a nós, mas sim à Casa Civil, ao Ministério de Minas e Energia e à Presidência - esclarece Oliveira.
O Rio Pelotas é o principal afluente do Rio Uruguai, formando uma das maiores bacias hidrográficas do Brasil. As águas do Pelotas passam também pela Argentina e pelo Uruguai e se juntam ao Rio Paraná para formar o Rio da Prata.
O corredor ecológico
- O que é: unidade de conservação que possibilita o fluxo de espécies, facilitando a dispersão e a colonização de áreas degradadas e manutenção de populações animais que precisam de áreas com extensão maior para sobrevivência. O projeto é um termo de compromisso firmado entre o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério Público e outros órgãos, em 2004, para a conclusão do licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, entre Anita Garibaldi (SC) e Pinhal da Serra (RS). A usina está operando desde maio de 2006
- Municípios atingidos:
Rio Grande do Sul: Bom Jesus, Cambará do Sul, São José dos Ausentes e Vacaria
Santa Catarina: Bom Jardim da Serra, Capão Alto, Jacinto Machado, Lages, Lauro Müller, Morro Grande, Nova Veneza, Orleans, São Joaquim, Siderópolis, Timbé do Sul e Treviso
- Área: 270 mil hectares (cerca de 36 mil campos de futebol) na calha do Rio Pelotas
Perfil dos municípios
Rio Grande do Sul*
- Bom Jesus
Área do município: 2.625,7 km²
Abrangência do projeto: 30%
População: 10.780 habitantes
Atividades econômicas: agricultura (destaque para maçã, milho e batata) e indústria
- São José dos Ausentes
Área do município: 1.176,7 km²
Abrangência do projeto: 54,8%
População: 3.674 habitantes
Atividades econômicas: bataticultura, fruticultura (destaque para maçã), reflorestamento, pecuária e serviços
-Vacaria
Área do município: 2.123,7 km²
Abrangência do projeto: -**
População: 63.898 habitantes
Atividades econômicas: fruticultura (destaque para maçã) e comércio
- Cambará do Sul
Área: 1.212,5 km²
Abrangência do projeto: 8,6%
População: 6.689 habitantes
Atividades econômicas: pecuária extensiva, agricultura e silvicultura
Santa Catarina***
- Bom Jardim da Serra
Área: 1.016 km²
Abrangência do projeto: 47,9%
População: 4.024 habitantes
Atividades econômicas: turismo e agropecuária (destaque para maçã, ameixa e batata e criação de bovinos e ovinos)
- Capão Alto
Área: 1.330 km²
Abrangência do projeto: 3,2%
População: 3.150 habitantes
Atividades econômicas: agropecuária
- Jacinto Machado
Área: 423 km²
Abrangência do projeto: ****
População: 10.923 habitantes
Atividades econômicas: agropecuária (arroz, banana, fumo, milho e maracujá)
- Lages
Área: 2.645 km²
Abrangência do projeto: ****
População: 160 mil habitantes
Atividades econômicas: turismo, agricultura e pecuária
- Lauro Müller
Área: 266,7 km²
Abrangência do projeto: ****
População: 13.567 habitantes
Atividades econômicas: extração de carvão mineral
- Morro Grande
Área: 251 km²
Abrangência do projeto: ****
População: 2.917 habitantes
Atividades econômicas: agricultura
- Nova Veneza
Área: 287 km²
Abrangência do projeto: ****
População: 11.511 habitantes
Atividades econômicas: agricultura
- Orleans
Área: 600,6 km²
Abrangência do projeto: ****
População: 20.021 habitantes
Atividades econômicas: agricultura e indústria
- São Joaquim
Área: 1.888,1 km²
Abrangência do projeto: ****
População: 22.790 habitantes
Atividades econômicas: agricultura (maçã)
- Siderópolis
Área: 253 km²
Abrangência do projeto: ****
População: 12.069 habitantes
Atividades econômicas: agricultura
- Timbé do Sul
Área: 334 km²
Abrangência do projeto: ****
População: 5.322 habitantes
Atividades econômicas: agricultura
- Treviso
Área: 157 km²
Abrangência do projeto: ****
População: 3.133 habitantes
Atividades econômicas: agricultura
*Informações do site da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul (www.fee.com.br)
**Como houve interesse de produtores da cidade em fazer parte do projeto, a equipe do Departamento de Áreas Protegidas visitará a cidade para conhecer as áreas
***Informações do site do governo do Estado de Santa Catarina (www.sc.gov.br)
****Não foi possível contatar a prefeitura para obter a informação
Audiências em SC
O projeto de criação do refúgio silvestre terá duas audiências em Santa Catarina. A primeira ocorre hoje em Lages, no auditório do Centro de Ciências Agroveterinárias da Universidade do Estado de Santa Catarina, e a segunda na sexta-feira, em Timbé do Sul, no salão paroquial da Igreja Matriz. As audiências começam às 19h
(Por Juliana Almeida, Pioneiro, 30/04/2008)