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segurança alimentar fertilizantes
2008-04-30

Truong Thi Nha tem apenas 1,37 m de altura. Os seus três filhos são bem maiores do que ela. O fato dos filhos serem bem mais altos do que os pais é um fenômeno comum nesta vila próxima a Hanói. O maior motivo para a robustez dessas crianças são os fertilizantes. Nha, cuja face faz com que ela pareça ter mais do que os seus 51 anos de idade, diz que o seu crescimento foi prejudicado por uma infância de fome e desnutrição. Faz apenas algumas décadas que as colheitas aqui eram bem menores e a dieta muito pior.

Mas depois disso a utilização generalizada de adubos químicos baratos e as reformas de mercado contribuíram para que houvesse por aqui uma explosão agrícola que já havia ocorrido em outras partes do mundo. As safras de arroz e de milho aumentaram de volume, e as dietas tornaram-se mais ricas. Mas agora esses ganhos estão sendo ameaçados em muitos países pela falta localizada e a disparada dos preços dos fertilizantes, o ingrediente mais essencial da agricultura moderna.

No ano passado os preços de alguns fertilizantes quase triplicaram, impedindo que os produtores adquirissem todo o adubo necessário. Este é um dentre vários fatores que contribuíram para o aumento dos preços dos alimentos, algo que, de acordo com o Programa de Alimentação da Organização das Nações Unidas, ameaça fazem com que dezenas de milhões de indivíduos pobres tornem-se desnutridos.

Nos Estados Unidos, fazendeiros do Estado de Iowa, desesperados para repor os nutrientes do solo, passaram a adotar cada vez mais a prática antiga de espalhar toneladas de esterco de porco nos seus campos de cultivo. Na Índia, o preço do fertilizante subsidiado para os agricultores disparou, provocando apelos por uma reforma da política agrícola. E na África, os planos para conter a fome com o aumento das safras ficaram subitamente ameaçados.

A redução da oferta de fertilizantes vem se intensificando durante os últimos cinco anos. A demanda crescente por alimentos e biocombustíveis estimulou produtores de todas as regiões a plantar mais. E, como conseqüência, as fábricas e as minas de fertilizantes do mundo não conseguiram acompanhar o ritmo de crescimento da demanda por adubos.

Alguns comerciantes do meio-oeste dos Estados Unidos viram os seus estoques de fertilizantes esgotarem-se no terceiro trimestre do ano passado, e eles continuam restringindo as vendas neste trimestre devido à carência do produto.

"Se alguém quiser 10 mil toneladas para hoje, nós só venderemos 5.000, ou talvez apenas 3.000 toneladas", afirma W. Scott Tinsman Jr., um fabricante e comerciante de fertilizantes de Davenport, em Iowa. "A situação está realmente no limite".

As companhias de fertilizantes acreditam que mais cedo ou mais tarde esse problema será resolvido, e frisam que pretendem construir diversas fábricas novas nos próximos anos, muitas delas no Oriente Médio, onde o gás natural é abundante. Mas isso provavelmente criará novos problemas no longo prazo, à medida que o mundo tornar-se mais dependente dos combustíveis fósseis para a produção de fertilizantes químicos.

Além do mais, o uso intenso de fertilizantes químicos sem dúvida significará maior poluição dos cursos d'água.

Especialistas em agricultura e desenvolvimento afirmam que o mundo conta com poucas alternativas para a sua dependência cada vez maior dos fertilizantes químicos. À medida que a população aumenta e uma classe média global em expansão exige mais alimentos, os fertilizantes são uma das estratégias mais eficientes para aumentar o volume das safras. Alguns especialistas calculam que os fertilizantes sintéticos feitos com gás natural já possibilitaram grandes expansões das colheitas, e um crescimento de 30% a 40% da população mundial.

Na África subsaariana, onde a fome há muito tempo é uma ameaça, a falta de fertilizantes é um dos motivos principais pelos quais a região está economicamente aquém do resto do mundo. As tentativas de fazer com que os fertilizantes chegassem às mãos dos agricultores africanos foram atrapalhadas pelos recentes aumentos de preços.

"Trata-se de uma aritmética bem básica e direta: nos casos típicos, o uso de fertilizantes em uma área de um acre (0,405 hectares) gera um aumento de produtividade de uma tonelada", afirma Jeffrey D. Sachs, o economista da Universidade Columbia que se concentrou na erradicação da pobreza. "Esta é a diferença entre a vida e a morte".

A demanda por fertilizantes tem sido impulsionada por uma convergência de fatores, incluindo o crescimento populacional, a redução das reservas mundiais de grãos e o apetite pelo milho e pelo óleo de palmeira usados para a produção de biocombustíveis. Mas os especialistas afirmam que o maior fator é o aumento da demanda por comida, especialmente a carne, nos países do Terceiro Mundo.

Recentemente, Nha, a pequena mulher vietnamita, estava de pé em um campo em torno da sua vila, com a face enrugada protegida do chuvisco por um grande chapéu de palha. Ela interrompeu um pouco o seu trabalho com a enxada e descreveu a dieta pobre da sua juventude.

A sua família, incluindo seis irmãos e irmãs, lutou para sobreviver com as rações da comunidade na qual morava, comendo pouca proteína. Os porcos que eles de vez em quando criavam com talos de arroz e papas "engordavam muito lentamente", recorda Nha.

Mas as reformas de mercado no Vietnã nas últimas duas décadas permitiram que os agricultores tivessem acesso a fertilizantes e sementes de alta produtividade. As safras de arroz dobraram e as de milho triplicaram, possibilitando aos camponeses engordar a população cada vez maior de animais para abate do país.

Várias vezes durante a estação, Nha e os seus vizinhos caminham pelas suas fileiras de pés de milho com baldes de metal velho cheios de fertilizante químico, que lembra areia grossa. Eles jogam um pouco na base de cada planta e enterram a substância com cuidado. O marido de Nha, Le Van Son, recorda-se da surpresa dos habitantes da vila na década de 1990 quando descobriram que um quilo de adubo químico contém mais nutrientes fundamentais do que cem quilos de esterco.

O consumo global de fertilizantes aumentou em média 31% de 1996 a 2008, impulsionado por uma expansão de 56% da demanda nos países em desenvolvimento, segundo a Associação Internacional da Indústria de Fertilizantes.

"Os mercados estão pedindo aos agricultores que pisem no acelerador", diz Michael R. Rahm, vice-presidente de análise de mercado e planejamento estratégico da Mosaic, uma grande fábrica de fertilizantes com sede em Plymouth, no Estado de Minnesota. "Eles aceleraram a produção, mas o mercado lhes disse para acelerar ainda mais".

O fertilizante é basicamente uma combinação de nutrientes adicionada ao solo para ajudar as plantas a crescer. Os três elementos mais importantes são nitrogênio, fósforo e potássio. Os dois últimos estão disponíveis há séculos, e atualmente provêm de minas. Mas o nitrogênio em uma forma que as plantas possam absorvê-lo era escasso. A falta de nitrogênio provocou safras magras durante séculos. Essa limitação acabou no início do século 20, com a invenção de uma técnica, atualmente alimentada principalmente com gás natural, que retira nitrogênio quimicamente inerte do ar e o converte em uma forma utilizável.

Paralelamente à expansão do uso do fertilizante químico com nitrogênio, surgiram melhores variedades de plantas e aumentou a mecanização das lavouras. De 1900 a 2000, a produção mundial de alimentos aumentou 600%. Os cientistas dizem que esse aumento foi o fator principal para o crescimento da população mundial de 1,7 bilhão em 1900 para os atuais 6,7 bilhões de habitantes.

Vaclav Smil, professor da Universidade de Manitoba, calcula que, sem os fertilizantes nitrogenados, não haveria comida suficiente para 40% da população mundial, pelo menos ao se adotar como referência as dietas atuais. Outros especialistas chegaram a números ligeiramente inferiores.

Inicialmente, grande parte do aumento da produção de fertilizantes destinava-se a grãos como trigo e arroz, que são os ingredientes fundamentais de uma dieta básica. Mas, recentemente, com um crescimento econômico mundial de 5% ao ano, centenas de milhões de pessoas passaram a ganhar dinheiro suficiente para comprar mais carne de animais engordados com grãos. Isso ocorreu ao mesmo tempo em que a produção acelerada de biocombustíveis, como o etanol feito com milho, impôs uma nova pressão sobre as reservas de grãos. Esses fatores geraram uma demanda crescente pelos fertilizantes, bem como preços mais altos por estes produtos. O preço do adubo químico fosfato de diamônia em um terminal em Tampa, na Flórida, saltou de US$ 393 a tonelada no ano passado para os atuais US$ 1.102, de acordo com a JPMorgan Securities, que acompanha os preços desse tipo de produto. A uréia, um tipo de fertilizante nitrogenado granulado aumentou de US$ 273 a tonelada no ano passado para US$ 505 a tonelada neste ano.

Os fabricantes estão lutando para aumentar o fornecimento. Pelo menos 50 novas unidades para a produção de adubo nitrogenado estão em construção, e as minas de fósforo e potássio estão sendo expandidas. Mas esses projetos são caros e demorados, e por isso acredita-se que a oferta de fertilizantes continuará reduzida durante anos. Os fertilizantes têm uma importância vital em Iowa, onde os fazendeiros plantam mais milho do que em qualquer outro Estado norte-americano, e que depende dos adubos químicos para aumentar substancialmente as suas safras.

Mas a combinação de preços altos e carência de adubo obrigou alguns fazendeiros a voltar a utilizar métodos antigos de adubação, o que transformou o esterco de porco em uma mercadoria cara. Os fazendeiros estão fazendo acordos para a construção de pocilgas às margens dos seus campos de milho e soja, para que tenham acesso rápido ao esterco.

Em um passeio pela sua grande fazenda em Oxford Junction, no leste de Iowa, Jayson Willimack apontou para os futuros locais de duas instalações que acomodarão 2.400 porcos. O esterco substituirá os fertilizantes químicos em 400 acres (162 hectares), o que corresponde a cerca de 10% da sua fazenda, e permitirão que ele economize cerca de US$ 50 mil anualmente. "Toda economia, por menor que seja, ajuda", disse ele. Tal estratégia tem grandes limitações - o esterco contém tão pouco nitrogênio que são necessárias toneladas do produto por hectare. Isso significa que os fazendeiros de Iowa e do exterior terão pouca escolha a não ser pagar mais por adubos comerciais.

Em muitos países, esses aumentos dos fertilizantes foram em grande parte compensados pela alta dos preços pagos pelas safras. Mas a inflação dos adubos criou uma crise nos países que subsidiam os fertilizantes utilizados pelos agricultores. Na Índia, por exemplo, o subsídio governamental pode chegar a US$ 22 bilhões no ano que vem, comparados aos US$ 4 bilhões de três anos atrás. Isso provocou um clamor por reformas do programa do qual a Índia depende para garantir as suas reservas de alimento.

Tão logo novos suprimentos tornem-se disponíveis, o uso cada vez maior de fertilizantes ainda causará dificuldades. Os grupos ambientais temem o aumento do uso de adubos químicos, especialmente o dos fertilizantes nitrogenados feitos com combustíveis fósseis. Como as plantas não absorvem todo o nitrogênio, grande parte dele vai parar em rios e aqüíferos. Essa infiltração há muito é vista como um grande problema no que se refere à poluição. E é um problema que cresce conforme aumenta a produção de alimentos.

Um indicador dessa poluição é a quantidade cada vez maior de zonas mortas onde os rios encontram-se com o mar. No Golfo do México, por exemplo, o nitrogênio dos campos do Cinturão do Milho desce pelos rios e alimenta as plantas aquáticas no golfo. A explosão de algas remove o oxigênio da água, matando outros seres marinhos. "Mais de 400 dessas zonas mortas foram identificadas, das costas da China à Baía de Chesapeake, e a causa principal do fenômeno é a contaminação de cursos d'água por resíduos de fertilizantes", afirma Robert J. Diaz, professor do Instituto de Ciência Marinha de Virgínia.

"Nitrogênio é nitrogênio", argumenta Diaz. "Se ele estiver na terra, vai produzir milho. Mas na água, produzirá algas". No início deste mês, um painel da ONU solicitou mudanças urgentes nas práticas agrícolas a fim de torná-las menos destrutivas. O painel recomendou técnicas que oferecem alguns dos benefícios dos fertilizantes químicos, como o aumento da rotação de culturas usando soja e outras leguminosas que naturalmente acrescentam algum nitrogênio ao solo.

Mas certos especialistas advertem que tais abordagens, embora úteis, serão insuficientes para atender à acelerada demanda mundial por alimentos e biocombustíveis. "Este é um problema básico: alimentar 6,6 bilhões de pessoas", afirma Norman Borlaug, um cientista norte-americano que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1970 devido ao seu papel para a disseminação das práticas de agricultura intensiva nos países pobres. "Sem fertilizantes químicos, esqueça. É fim de jogo".

(Por Keith Bradsher e Andrew Martin, The New York Times, tradução UOL, 29/04/2008)
*Bradsher trabalhou para esta reportagem no Vietnã no final de março e no início de abril e, depois, acrescentou mais informações em Hong Kong. Martin contribuiu em Nova York e em Iowa.


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