Depois de criticar os dados de desmatamento do Mato Grosso, divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e de fazer declarações defendendo o desmatamento como solução para a crise de alimentos, o governador do estado do Mato Grosso, Blairo Maggi (DEM-MT), deu uma entrevista exclusiva ao site Amazonia.org.br. Confira.
Na semana passada, o jornal A Folha de S. Paulo fez uma matéria na qual o senhor teria dito que uma das possíveis soluções para a crise de alimentos seria o desmatamento...Blairo Maggi - Minha declaração foi feita nesse contexto de crise alimentar. Na verdade o mundo também não tem grandes espaços para a aumentar a produção de alimentos. No Brasil, temos muitas áreas que são propícias a algum tipo de agricultura como, por exemplo, o oeste de São Paulo e o leste de Mato Grosso do Sul. Porém, não são áreas muito boas para a agricultura de alimentos. Para a soja, o feijão, o milho, o girassol, essas áreas são consideradas marginais. São áreas que não têm uma chuva muito regular e, portanto, o risco da produção é muito grande. Porém, se você plantar a cana-de-açúcar nessa região, ela irá muito bem.
Os locais de produção de alimentos, com garantia de rentabilidade para quem planta não é muito grande. Tanto é que o Mato Grosso utiliza apenas 8% do território para fazer a agricultura de alimentos. O Brasil como um todo usa uma área relativamente pequena se comparado ao que ele tem.
Nós teremos possíveis ganhos de tecnologia para o futuro. Atualmente temos conseguido crescer, em torno de uma média de 1% de produtividade por ano. Mas o consumo tem crescido numa faixa de 3%, 4% ao ano. Essas contas, em longo prazo, não fecham. Então isso tem que se definir lá frente. No futuro, é preciso fazer uma discussão responsável. Você vai deixar a humanidade passar fome ou você vai fazer a ocupação de novas áreas para produzir alimentação?
As áreas que existem para a incorporação da agricultura também não são muito grandes. As pessoas pensam: "Ah, nós vamos ocupar a Amazônia para produzir comida e o etanol". Não dá. Em todo o território amazônico uma pequena parte pode ser usada e servir para isso [plantação].
Mais uma vez: dá para ter aumento de produtividade se o consumo aumenta muito. A crise de alimentos que está se colocando agora ela é uma realidade. Na minha avaliação, o Brasil vem fazendo a lição dele. Nós crescemos. Nos últimos 20 anos, nós saímos de uma produção de 30 milhões de toneladas para 120 milhões de toneladas. Nós estamos alimentando a população do país, não há problemas de abastecimento, estamos vendendo comida para o resto do mundo.
Você falou que no futuro seria preciso desmatar. Qual a perspectiva deste "futuro"?Blairo Maggi - Eu acho que podemos manter o ritmo de crescimento, com ganhos de biotecnologia e produtividade em torno de dez anos. Até esse tempo é possível manter a situação como está. Depois teremos que escolher entre plantar em áreas de chuvas, onde a produção é garantida ou fazer ocupações de áreas marginais, que trazem muitos problemas aos agricultores, prejuízos por causa da falta de chuvas, localizadas em São Paulo ou no Mato Grosso do Sul. Para ter alimentos nestas regiões, é preciso fazer uma política de garantia de renda e de preço, senão os produtores quebram em seguida.
O MT vai fazer alguma medida para conter a crise de alimentos?Blairo Maggi - Nós não podemos fazer nada mais do que nós fazemos. Para produzir mais, você tem que ter acesso a novas áreas. Inclusive os produtores do MT decidiram que não iam mais aumentar as áreas de plantio. Primeiro por causa das questões ambientais. Segundo porque, há mais de 20 e 30 anos, o mundo come um alimento muito barato e isso traz dívidas para a agricultura. A decisão é de que não dá para abrir novas áreas, a não ser depois de um grande entendimento, porque na ilegalidade não dá para fazer.
Ultimamente o seu estado vem sendo muito criticado com relação ao desmatamento. O que você acha das políticas que o Ministério do Meio Ambiente está fazendo com relação a esse tema?Blairo Maggi - Se você olhar gráficos de desmatamento no MT, desde 1984, em nenhum momento verá níveis de desmatamento tão baixos como tivemos em 2005 para cá. É uma constante a redução desde 2005. Neste último período os dados apontaram 120 km², 140 km² de desmatamento, que estão em torno de 12 mil hectares. Em termos de tamanho de território ele é muito pequeno. Agora, o problema disso não é do tamanho, está na ilegalidade.
As políticas do governo do estado seguiram a legislação e está correta a decisão do ministério de embargar essas áreas já que, aqueles que desmatam vão pensar um pouquinho: "Eu vou desmatar, vou gastar dinheiro e depois não vou poder usar a propriedade".
Eu acho que a política é essa. Inclusive, entregamos o zoneamento na assembléia, espero que seja um documento que pode dar um norte ao estado do MT, que mostre onde pode ser feito a agricultura, onde é uma área de conservação, hidrologias.
Qual a sua opinião sobre a operação do Arco de Fogo no estado?Blairo Maggi - Os números que foram colocados como desmatamento, do Deter [Detecção de Desmatamento em Tempo Real], mostra uma diminuição muito grande [depois da operação]. O MT participou de cerca de 80% da redução, embora eu ainda continue contestando os dados. Entreguei inclusive um documento para o presidente da República outro dia. Nós vamos fazer uma auditoria, quer dizer, o governo deve fazer uma auditoria nos números que foram passados.
O estado do MT não concorda com aqueles números. Até hoje nós não concordamos porque a metodologia utilizada foi diferente do que tradicionalmente eles vinham utilizando. Se você vem coletando dados baseando-se em uma metodologia e muda, os números também ficam diferentes.
Eu quero, tenho insistido nisso, corrigir estatisticamente os números de MT que não são aqueles que foram divulgados. O esforço que o MT vem fazendo para a redução do desmatamento é muito grande. Os produtores que tem endereço, CPF [Cadastro de Pessoa Física] e responsabilidade não fazem isso. O problema é que nós temos grilagem de terra, invasão de terras de pessoas que não são donas das áreas e ao desmatarem, acham que tem direito à posse das terras. Então além da questão ambiental, temos também a questão fundiária que o estado briga para poder colocar isso em ordem.
Quais as medidas que o governo do MT faz para diminuir o desmatamento?Blairo Maggi - As mesmas que o ministério do meio ambiente toma: fiscalização, controle via satélite, temos gente no campo, helicóptero voando, autuamos todas as pessoas que fazem o desmatamento errado e fazemos as fiscalizações que nos competem. Temos a responsabilidade não só do desmatamento, mas também do controle florestal do estado porque o Ibama nos passou em 2005.
Nosso território é muito grande, mas não temos muitos recursos. Temos um helicóptero, isso custa muito caro, não tem recursos do governo, de ninguém. Então dentro das possibilidades que nós temos, nós fazemos aquilo que é da nossa competência. Os números da redução do desmatamento que vem ocorrendo desde 2005 para cá demonstram claramente que o governo vem fazendo as ações que são necessárias para diminuir o desmatamento no estado.
O Ibama divulgou a lista das áreas embargadas. Nela, o instituto aponta que sua empresa estaria embargada...Blairo Maggi - Primeiro que não tem ninguém embargado. É uma lista de irregularidades. Especificamente, a Amaggi [empresa do governador do MT], comprou um espaço de lixo de madeira. Como ela tem uma indústria em Cuiabá, nós necessitamos de vapor para energia para o esmagamento da soja. Por isso, compramos a área de lixo de madeira. O Ibama então pediu o licenciamento ambiental.
O pessoal que estava na matriz mandou uma cópia do processo, o instituto recebeu mas mesmo assim quis autuar a empresa. Então, não é uma questão de desmatamento, é uma questão burocrática entre nossa secretaria do meio ambiente e a empresa.
E você teve que pagar alguma multa?Blairo Maggi - Eu não sei te dizer porque não estou na empresa. Parece que colocaram uma multa, mas a empresa está recorrendo porque ela não tem culpa nesse processo.
Comente sobre o fato de você ter recebido o prêmio "motosserra de ouro", que premiou o campeão absoluto de desmatamento.Blairo Maggi - Primeiro isso faz muito tempo. Eu até falo para os produtores daqui que essa motosserra não é para mim e sim para eles. Porque a minha empresa há mais de dez anos não faz abertura de novas áreas. Agora, eu como governador, é lógico que estou representando o estado nas coisas boas e nas coisas ruins. Até outro dia eu tive uma reunião com o setor madeireiro e eles disseram que não tem ligação com o desmatamento. Eu disse que eles eram responsáveis também porque compram madeira ilegal e quem compra faz com que o desmatamento continue.
Eu sou obrigado a aceitar, resignadamente, a motosserra porque sou governador do estado. Para mim, com relação à minha empresa não. Isso eu não aceito de forma nenhuma.
(Por Thais Iervolino,
Amazonia.org.br, 28/04/2008)