A ajuda imediata para os países pobres, que sofrem os efeitos mais graves da crise atual de alimentos no mundo, é insuficiente para lidar com a crise dos alimentos no mundo e é preciso ir além, atacando diretamente as raízes do problema, informaram as organizações humanitárias Oxfam International e Care International, em um comunicado divulgado nesta segunda-feira --dia em que líderes mundiais estão reunidos no encontro promovido pela ONU (Organização das Nações Unidas) na Suíça.
"A ajuda é necessária, e com urgência, para lidar com a ameaça imediata aos pobres representada pelos preços mais altos dos alimentos, mas o dinheiro não basta", disse a diretora da Oxfam International Celine Charveriat. "Os líderes mundiais precisam aproveitar essa oportunidade para lidar com problemas estruturais tais como o investimento insuficiente em agricultura e as regras injustas de comércio, que estão exacerbando o problema."
Segundo as duas organizações, o sistema de ajuda internacional atualmente em vigor não é adequado para lidar com a gravidade da atual crise e são necessárias mudanças estruturais. "Os distúrbios ocorridos por alimentos colocaram a fome mundial na agenda política, mas o sistema de ajuda não será capaz de atacar a fome global enquanto permanecer presa ao passado, enxergando as crises alimentares como eventos isolados, sem lidar com o problema subjacente --a pobreza crônica", disse a executiva-chefe da Oxfam no Reino Unido, Barbara Stocking.
"O mundo se tornou muito melhor em enviar equipes para salvar vidas, mas parece incapaz de fazer o que é necessário para evitar que as crises ocorram", afirmou. "Quando os governo falham em agir cedo o suficiente, o custo de lidar com uma crise aumentam muito, tanto em termos econômicos como em perdas de vidas", disse o secretário-geral da Care International, Robert Glasser. "As imagens da TV de ajuda sendo enviada para combater a crise não é um triunfo da compaixão, mas sim um sinal da falha em agir antes."
Crise global
Na semana passada, o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Ban Ki-moon, classificou a alta nos preços dos alimentos como uma "crise global". "Esse forte aumento nos preços dos alimentos se tornou uma crise global real", disse, em uma conferência em Viena (Áustria). "A ONU está muito preocupada, bem como todos os países-membros", afirmou, e destacou que a comunidade internacional precisa tomar uma ação imediata.
Hoje ele e dirigentes de 27 agências da organização, iniciaram em Berna (Suíça) uma reunião a portas fechadas dedicada à crise provocada pela alta de preços dos alimentos básicos. "É um momento apaixonante para a ONU, mas também um momento em que somos colocados diante do desafio de fazer tudo o que pudermos para responder às expectativas que o mundo depositou em nós", disse o secretário-geral.
O arroz registrou alta de 141% em seu preço desde janeiro, o trigo custa 130% a mais que há 12 meses e o milho nunca esteve tão caro em 12 anos: a disparada do custo dos alimentos, que tem provocado protestos violentos em muitos países, aumentou o número de famintos em dezenas de milhões. No Brasil, na última quarta-feira (23), o ministro Reinhold Stephanes (Agricultura) informou a suspensão das exportações do estoque público e afirmou que conversaria com produtores para suspender também as vendas externas privadas. Ontem, no entanto, Stephanes disse que o país só adotará medidas para restringir a exportação de arroz em 'casos extremos'.
Biocombustíveis
A Oxfam recomendou que sejam encerradas as políticas para ampliar a produção de biocombustíveis nos países ricos, que é vista como uma das raízes da alta nos preços dos alimentos. "Os biocombustíveis não apenas são uma forte causa dos aumentos de preços, mas também estão ligados a abusos no trabalho e expropriações de terras nos países em desenvolvimento", disse Charveriat. Ela ainda criticou a postura dos países desenvolvidos, de criticar os países pobres. "A União Européia [UE], os Estados Unidos e o Banco Mundial têm criticado os países em desenvolvimento por impor barreiras às exportações [dos países pobres], mas falham ao não apontar o dedo para si mesmos."
O relator da ONU (Organização das Nações Unidas) para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, também culpou os biocombustíveis, além da especulação financeira, pela crise. Ele disse que os biocombustíveis são "um crime contra grande parte da humanidade, algo intolerável", pois a transformação em massa de alimentos em combustível provocou a escalada dos preços de produtos básicos. Ele defendeu também uma moratória imediata durante pelo menos cinco anos na produção de biocombustíveis.
(Folha Online, 28/04/2008)