No Soweto Market, no centro de Lusaka, capital de Zâmbia, a resposta dos vendedores sobre como está o movimento é quase sempre a mesma: "slow, slow..." (devagar, devagar...). Há um ano, Francis, 29, dono de uma barraca no enorme e precário mercado ao ar livre, vendia três sacas de arroz de 50 kg por dia. Hoje, vende uma, às vezes nenhuma. O motivo, diz ele, é o aumento dos preços. Na África, a inflação dos alimentos, um fenômeno mundial, chegou com força, ameaçando aumentar o já considerável contingente de pobres no continente mais pobre do planeta.
Nas últimas semanas, quando a crise alimentar mundial veio à tona, uma mesma avaliação foi feita do continente: há a perspectiva sombria de aumento da pobreza e desnutrição, que já levou a distúrbios em países como Egito, Burkina Fasso, Camarões e Costa do Marfim, mas também uma janela de oportunidade para sua agricultura. O problema é que o risco é imediato, e a tal janela, todos concordam, é de longo prazo.
"Esta é uma oportunidade para a África elevar a produtividade de sua agricultura. Países em outras regiões estão chegando num ponto em que atingiram um platô. Se a África aproveitar este momento como uma chance e não como um impedimento, poderá ser o celeiro do planeta", diz Purnima Kashyap, diretora do Programa Mundial de Alimentação da ONU (Organização das Nações Unidas) em Zâmbia.
No entanto em lugares como o Soweto Market, com suas ruas sujas, pedintes e pobreza generalizada, a promessa de uma "revolução verde" africana parece longínqua. É fato que o continente tem vastas terras aráveis não utilizadas, e que as que são cultivadas apresentam baixos índices de produtividade, com um potencial enorme de produção. Estima-se que ao menos 80% da agricultura africana seja de subsistência, com o uso de técnicas rudimentares.
"Ninguém explora"
No vizinho Zimbábue, em que a questão agrícola tem, além de tudo, cores políticas, John Worswick, líder da associação de fazendeiros locais, estima que metade da área do país esteja em terras "comuns", que são do Estado e ninguém explora. "São terras livres, cujo uso não implicaria em desmatamento, nada. Mas nunca houve interesse em plantar nada ali", diz ele. Nos mercados africanos, os preços têm aumentado semanalmente. Em Sunningdale, periferia de Harare, capital do Zimbábue, o tomate sempre foi vendido por quilo nas barracas de legumes. Agora, costuma-se vender por unidade. "As pessoas não têm dinheiro para levar muita coisa", diz uma senhora, sentada em sua barraca esperando fregueses.
Em Zâmbia, os preços dos alimentos subiram 22% em média no último ano, segundo estimativa do Programa Mundial de Alimentação. Mas o milho, matéria-prima da nshima -espécie de purê que é a base da alimentação local-, subiu 33%. O nshima tradicionalmente é consumido no almoço com peixe ou frango, mas muitos em Zâmbia só têm conseguido comer puro ou no máximo com algum vegetal, segundo vendedores do produto. Na semana passada, a crise alimentar acabou roubando a cena no encontro da Unctad, órgão da ONU que cuida do desenvolvimento, em Gana, no oeste africano. O tema inicial, os impactos da crise econômica global, acabou ficando em segundo plano.
Um dos participantes do encontro, o vice-ministro do Planejamento de Moçambique, Victor Bernardo, deu, em entrevista à Folha, um panorama típico do dilema que os países do continente enfrentam. Por um lado, um enorme potencial "adormecido". Por outro, imensas dificuldades na hora de explorá-lo. "Queremos transformar uma situação de certa desvantagem numa oportunidade para produzirmos mais. Temos capacidades adormecidas em nosso país, temos uma extensa área arável em Moçambique e não utilizamos", diz Bernardo.
O desafio é ensinar os agricultores a tirarem melhor proveito de suas terras, o que deve levar muito tempo. "A primeira assistência é ensinar as pessoas a utilizar técnicas mais adequadas de produção. Mas isso tem de estar associado a um sistema de educação. Nós, por muito tempo, deixamos de dar a devida assistência técnica e profissional aos agricultores, de ensinar as pessoas a tirar partido dos recursos que têm", declara.
(Por FÁBIO ZANINI, Folha Online, 28/04/2008)