Num momento em que o mundo se preocupa com uma crise alimentar global e protestos já explodem em lugares pobres, uma personalidade mundial pode se gabar de ter alertado há mais de um ano que isso ocorreria -- Fidel Castro. O ex-presidente cubano não aparece em público desde a cirurgia intestinal de julho de 2006, mas desde março de 2007 escreve regularmente artigos para o jornal Granma. Já na estréia, atacou a aliança entre Brasil e Estados Unidos para a produção de etanol, dizendo que o interesse norte-americano pelos biocombustíveis estava elevando o preço dos alimentos e ameaçando provocar uma onda global de fome.
"Mais de 3 bilhões de pessoas no mundo estão sendo condenadas a uma morte prematura de fome e sede", escreveu Fidel naquele artigo. "Não é exagero, e sim uma cifra conservadora", disse ele, para quem a idéia de transformar alimentos em combustíveis parecia "sinistra". Nas últimas semanas, houve distúrbios por causa dos preços dos alimentos em vários lugares da África, na Indonésia e no Haiti, onde o governo caiu. Para manter seus estoques, países produtores restringiram as exportações, e diante do pânico global a respeito do preço do arroz até algumas redes de supermercados dos EUA limitaram a venda do produto.
Especialistas atribuem o encarecimento dos alimentos à produção de biocombustíveis, mas também a fatores climáticos, à baixa dos estoques, à demanda asiática e a especulações no mercado. De acordo com a FAO (órgão da ONU para alimentação e agricultura), 37 países podem enfrentar crises alimentares. Os preços de produtos básicos como milho, trigo, soja, leite em pó e arroz em alguns casos mais do que duplicaram desde que Fidel escreveu seu artigo.
Na época, o então presidente licenciado de Cuba sugeriu que o mundo acompanhasse a "revolução energética" lançada por ele em 2005 na ilha, quando o preço do petróleo ainda estava relativamente baixo. Diante da escassez de energia na ilha, o governo ordenou a substituição de todas as lâmpadas incandescentes por luzes fluorescentes. Outros países em desenvolvimento, como a Argentina, fizeram o mesmo. O governo de Fidel também havia promovido a troca de velhas geladeiras e fogões, energeticamente ineficientes, por econômicos equipamentos chineses.
Fidel, um dos mais famosos críticos mundiais do consumismo, também já aconselhou países como China, Índia e Brasil a não copiarem os padrões extravagantes de consumo nos EUA, pois isso pode levar o mundo a um desastre. "Acho que reduzir e reciclar todos os motores operados a combustível e eletricidade é uma necessidade urgente e elementar de toda a humanidade", escreveu ele na primeira coluna.
Críticos dizem que a "revolução energética" não passou de um pacote contra a crise provocada pela obsolescência da infra-estrutura nacional. Desde que Fidel foi definitivamente substituído por seu irmão Raúl, em fevereiro, o governo relaxou algumas medidas contra o consumo, como a restrição à compra de aparelhos de DVDs e celulares.
(Por MARC FRANK, REUTERS, 28/04/2008)