Antigamente o pampa, uma região que abrange 70 milhões de hectares em três países – Brasil, Uruguai e Argentina -, era um vasto território livre, sem cercas, horizonte a perder de vista, onde “gauchos” , vagavam de um lado a outro, correndo manadas de cavalos crioulos. A partir de agora, está definido oficialmente, será o reino das papeleiras, as fábricas de papel e celulose, que recentemente anunciaram seus investimentos no RS. O principal deles, da Aracruz – empresa que detém a maior fatia da produção nacional, comandada por sócios poderosos: Safra (28%), Votorantim (28%), Lorentzen, família ligada à coroa norueguesa (28%), BNDES (12,5%). A produção da atual fábrica em Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre passará de 450 mil toneladas para 1,8 milhão de toneladas.
A área se estenderá dos atuais 74 mil hectares a 167 mil hectares, com plantios de eucalipto e pinus. A Aracruz definiu seu território em torno da região metropolitana, em direção à zona sul do estado. Região das lagoas dos Patos, Mirim. A Votorantim, sócia, e também investidora na área, se concentrou na região sul, entre os municípios de Pelotas e Bagé. Já comprou 48 mil hectares, pretende chegar a 250 mil hectares. A terceira é a Stora Enso, grupo sueco-filandês, entrou no eixo da fronteira oeste, em direção à divisa com Uruguai, onde já possui 180 mil hectares plantados com eucalipto. No total, cerca de US$ 4,5 bilhões de dólares, a maior parte em investimentos nas plantas, na aquisição de equipamentos e terras – pretendem ocupar 500 mil hectares.
Um Enclave
O reino das papeleiras está montando um enclave no cone sul. Lembrei disso, depois de rever os dados do Projeto Jari, na época do multimilionário americano, Daniel Ludwig. Ele trouxe a primeira fábrica de celulose até a Amazônia, em uma balsa, fabricada no Japão. Junto veio uma usina termelétrica. Na época, 1979, Ludwig pretendia trazer 18 fábricas móveis. Só não completou o projeto, porque os militares, então no poder, não autorizaram a construção de uma hidrelétrica no rio Jari. O milionário tinha comprado terras na Guiana, e pretendia montar seu enclave na foz do rio Amazonas, no Oceano Atlântico. Iniciativa que se tornou comum na China, onde se instalaram “clusters” eletroeletrônicos no sul do país, comandados por japoneses.
Por que escolheram o pampa, o menor dos biomas brasileiros, onde 25% das espécies estão ameaçadas de extinção? Um executivo da Stora Enso, João Fernando Borges, declarou à Revista Já, de Porto Alegre, o seguinte:
“Pensamos nas áreas próximas a Carajás, no Pará e Maranhão, mas a repercussão seria grande, por se tratar da Amazônia. Os estudos de Santa Catarina e Paraná mantém uma estrutura fundiária dividida em minifúndios. Então pensamos no Rio Grande do sul onde teríamos uma situação mais simples”.
Baixos índices
O pampa gaúcho é dominado por uma pecuária de baixos índices de produtividade na sua média, um problema crônico. A única novidade nos últimas décadas, depois da introdução de arroz irrigado pelos descendentes de europeus – italianos e alemães, que entraram nos anos 50, primeiramente com plantio de trigo -, foi o plantio de videiras, pelas vinícolas internacionais e gaúchas.
No RS trata-se a região como a “metade sul” , formada por 104 municípios, 2,6 milhões de habitantes. A outra deve ser a metade norte, sendo que nesta questão geográfica, aboliram as regiões leste e oeste do estado. Tem uma divisão , tipo o Tratado de Tordesilhas, que inicia em Guaíba, zona da Aracruz e termina em Santa Rosa, na fronteira com a Argentina. Tudo ao sul é pobreza.
Tentou-se armar um circo, onde até mesmo entidades ambientalistas e de defesa de pequenos produtores com terra e sem terra, participaram das discussões. Audiências públicas comandadas por claques a serviço das empresas. A última cartada, no atual governo estadual, foi uma limpa no órgão ambiental, responsável pelo licenciamento, onde a presidente, Ana Pellini, entrou numa reunião da Câmara Técnica e votou, no lugar do responsável técnico. Enfim, um atropelo só. Passaram por cima de trator de esteira, sem deixar nada à vista.
Mudaram as três regras que os ambientalistas ainda defendiam: o percentual de plantio do eucalipto na região original, a limitação do tamanho dos maciços e a definição do distanciamento entre eles.
Reduzir a fronteira
As empresas primeiro começaram a comprar terra, escolheram as regiões, definiram a área de atuação de cada uma, e depois ficaram esperando o zoneamento. A questão do enclave está bem definida pelo projeto apresentado em Brasília pelo senador Sérgio Zambiasi, do PTB, reduzindo a área de fronteira internacional, considerada de segurança nacional, dos atuais 150 quilômetros para 50 quilômetros. Dessa forma, empresas estrangeiras poderiam comprar terras nestas localidades, coisa proibida hoje em dia. E os prefeitos estão ávidos por investimentos.
A produção de celulose e papel no mundo cresce a toque de caixa. No final da década de 1990 foram produzidas 294 milhões de toneladas no mundo. Os três principais produtores são Estados unidos, China e Japão. A previsão desde o ano 2000, era um aumento de um terço na fabricação de celulose e papel. Este setor é o terceiro grupo industrial emissor de gases tóxicos na atmosfera, resíduos sólidos e grande consumidor de energia – o quarto na economia mundial – Os dados são da publicação “Sinais Vitais”, do World Watch Institute, de Washington. Nos Estados Unidos, o setor é o terceiro em poluição ambiental.
Quem consome o papel no mundo? Os países ricos, óbvio. Os americanos de classe média consomem 19 vezes mais papel do que um classe média num país em desenvolvimento. A média per capita nos Estados Unidos é maior do que 335 quilos.
A média dos países industrializados é de 162 kg/habitante. A média mundial é 51 kg/hab. E a média nos países em desenvolvimento é de 20 kg/habitante. Um quilo representa o consumo de 225 folhas tamanho ofício. No mundo apenas 10% da produção de papel é utilizada por longo tempo, como na impressão de livros. 90 % é usada uma vez e depois descartada. A metade do consumo do papel envolve as embalagens. E, 22% da população mundial consome 71% do papel.
Ironia da história
Entretanto por ironia da história, um sueco, no final do século XIX, chamado Alberto Loefgren, criou em São Paulo um herbário com plantas nativas e depois o Serviço Florestal e Botânico. Em 1904, a Companhia Ferroviária Paulista contratou um agrônomo, Edmundo Navarro de Andrade, que acabou se tornando um especialista em eucalipto. A ferrovia necessitava de dormentes e de madeira nos fornos.
Edmundo Navarro implantou viveiros em várias regiões multiplicou de 25 mil para 250 mil mudas distribuídas na época. Assumiu o lugar de Loefgren fechou o herbário de nativas do sueco, e transformou o Serviço Florestal e Botânico, somente em Serviço Florestal.
O eucalipto já tinha sido plantado no Uruguai desde 1853, era visto como um espécie purificadora, sugava água parada – responsável pela multiplicação dos mosquitos – e funcionava como desinfetante. Existem mais de 450 espécies de eucalipto na Austrália, onde ele é nativo. O resto da história todo mundo já sabe.
Uma monocultura que se expande pelo país, envolve também o Mato Grosso do Sul. O BNDES pretende investir 29 bilhões de dólares até 2012 no projetos de celulose e papel.
O Brasil é o sexto produtor, ano passado exportou 14 milhões de toneladas de celulose. O reino das papeleiras está em festa. Daqui há 21 anos, quando completar a terceira safra de eucalipto plantado a partir de 2008, provavelmente um gaúcho dirá a seu filho, se ele perguntar o que é uma árvore: é o eucalipto aí da frente.
(Por Najar Tubino*, Eco Agencia, 28/04/2008)
*Jornalista