Primeiro ato. Outubro do ano passado, com uma seca prolongada, o inverno amazônico teimava em não chegar. Risco de abastecimento de água nas capitais e engenheiros encontrando solução em uma nova bomba flutuante, que retira água de pingos entre grãos de areia. O rio, quase apartando, com inéditos fluxos de água voltando para cabeceira. Água de morro acima, será que pode?
Na ausência de saídas espetaculares, pois elas não existem, o jeito era esperar o inverno chegar. Técnicos envolvidos com a área ambiental e com recursos hídricos cansaram de avisar que as características ambientais das principais bacias hidrográficas na Amazônia, estão comprometidas, e, que isso, trará, em um futuro próximo, problemas de abastecimento de água e de redução da icitiofauna (aquela que depende da água).
A causa desse fenômeno já é mais que sabida. O processo de ocupação social e econômico, realizado ao longo dessas bacias, tem como princípio a transformação da cobertura florestal original, ou seja: desmatamentos. Ao se retirar a floresta, o solo se expõe, a chuva carrega a porção nutritiva de terra para dentro dos rios, o calado dos rios diminuem, a navegação fica prejudicada, os peixes ficam com menos opções de alimentação e o ciclo se fecha, com os ribeirinhos excluídos sujeitos à insegurança alimentar.
A conclusão é uma só: o ciclo produtivo baseado no desmatamento-queimada-plantio é prejudicial aos cursos hídricos. Ou seja, afora todos os problemas que esse tipo de produção pode causar ao clima, efeito estufa, erosão e assim por diante, esse ciclo produtivo coloca sob condição de extrema fragilidade o regime hídrico amazônico.
A solução prioritária também é uma só: recuperar as margens dos rios ao longo de toda bacia hidrográfica. Ou seja, afora todas as outras alternativas, sobretudo aquelas vinculadas ao aumento da conscientização, à educação ambiental, ao movimento pelas águas, aos dias de meio ambiente e da água com criancinhas e muitas águas ... a revegetalização da mata ciliar das bacias hidrográficas é o que pode, a curto prazo, reverter essa trágica situação.
Uma ação que não motiva as autoridades públicas, em especial as estaduais e municipais, por três razões interligadas. Primeiro por depender de um estudo técnico apurado, que deveria definir quais espécies devem ser plantadas nas margens dos rios, no intuito de atender ao requisito ecológico e de garantir a coexistência com a atividade extrativista.
Um estudo que definisse com precisão, que largura deverá ter a mata ciliar nos rios amazônicos, em cada ponto da bacia hidrográfica, indo além das definições estanques exaradas do Código Florestal.
Segundo por depender de alterações regulatórias que envolvem desde pequenas normas municipais até mudanças na legislação federal. Uma discussão jurídica que pode ser interminável e que coloca sob suspeição as intenções das autoridades.
Terceiro por depender de transformar a recuperação da mata ciliar em um imperativo político. Uma emergência como as que trazem as alagações. Daquelas que obrigassem aos proprietários firmarem Termos de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público.
Segundo ato. O inverno não quer acabar. Já é abril e famílias estão alagadas pela insistência do inverno em ficar. Ir embora como, se ainda há tanta água represada nas nuvens.
Terceiro ato. O desmatamento aumentou no inverno. Como ser possível em um inverno intenso o desmatamento aumentar? Produtores não deviam desmatar no inverno. Pelo menos, sempre tinha sido assim.
Mas o desmatamento aumentou no inverno porque, talvez, a fiscalização não possa pegar chuva. Ou, talvez, o autotrack (os coquinhos dos carros de fiscais) não funcione com nuvens. Ou, talvez, seja sinal de que o mercado está se adaptando às mudanças climáticas.
(Por Ecio Rodrigues,
Ambiente Brasil, 28/04/2008)