É na África, rotineiramente chamada de "a última fronteira agrícola do planeta", que um subproduto da inflação alimentar -a disputa entre os defensores do plantio para biocombustíveis e os que temem seus efeitos- promete ser mais dura. Governos estão divididos, e mesmo uma organização como a ONU tem seus "rachas". Um dos entusiastas do plantio de fontes alternativas de energia é o mineiro Lucas Assunção, que tem a cada vez mais espinhosa tarefa de afastar dos biocombustíveis a imagem de ser um dos vilões do aumento nos preços dos alimentos, que começou a se formar nos últimos meses.
Coordenador do programa de biocombustíveis da Unctad, o órgão das Nações Unidas que lida com o desenvolvimento, ele vê uma "disputa de mercado" mascarada como preocupação ambiental ou social. "Esse debate quente é ligado a preocupações ambientais por um lado e por interesse protecionista por outro. É disputa de mercado. Quem tem vende biocombustível e quem não tem fica desesperado", afirma.
Na África, a idéia de produzir biocombustíveis é vendida insistentemente, inclusive pela diplomacia brasileira, como uma alternativa de desenvolvimento mundial. Do outro lado do debate está outro órgão da ONU, o Programa Mundial de Alimentação, que tende a temer, em maior escala, que os biocombustíveis roubem terras que deveriam ser reservadas à produção de alimentos. "Nós alertamos que, o que quer que um país decida sobre biocombustíveis, tenha em mente que mais importante é alimentar sua população", diz Purnima Kashyap, diretora do programa em Zâmbia.
Os governos não estão menos divididos. Na semana passada, o governo de Gana aplaudiu de maneira eufórica a iniciativa do Brasil de abrir no país um escritório da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) para explorar, entre outras, as possibilidades locais para produzir biocombustíveis. Mas um governo como o de Moçambique, por exemplo, é mais cético. "Nossa prioridade, que deixamos bem clara, é combater a fome da população", afirma Victor Bernardo, vice-ministro do Planejamento moçambicano.
(Folha de São Paulo, 28/04/2008)