Exploração descontrolada coloca em risco atum, bacalhau e outros peixes nobres.
Descaso com variedades tradicionais de plantas e animais também é ameaça.
Publicitários sem muita consciência ambiental poderiam muito bem criar placas com os dizeres "Coma antes que acabe" e distribuí-las pela seção de frutos do mar dos supermercados mundo afora. O humor negro seria justificado: peixes e assemelhados estão entre as principais fontes de alimento com risco de desaparecer da Terra, graças principalmente à coleta irresponsável.
Mas eles certamente não estão sozinhos. O perigo de sumir do mapa também ronda boa parte das variedades tradicionais de plantas e animais domésticos do mundo, bem como seus parentes mais próximos que ainda existem em estado selvagem. Há uma tendência preocupante de substituição dessa variabilidade por umas poucas raças e cultivares comerciais. Não é só o paladar, necessariamente menos diversificado, que perde com isso: as variantes tradicionais e silvestres guardam genes importantes para rusticidade, resistência a doenças e até produtividade. Seria burrice jogá-las fora -- mas é o que está acontecendo.
Redes gulosas
A julgar por um estudo recente, coordenado por Stephen R. Palumbi, da Universidade Stanford (EUA), a situação nunca esteve tão negra para quem gosta de um bom peixe. Se tudo continuar como está, calculam Palumbi e seus companheiros, nenhuma das espécies marinhas exploradas comercialmente hoje estará disponível para consumo humano em 2050.
Os cálculos dos pesquisadores sugerem que quase metade dessas espécies já perdeu 90% ou mais de sua população. Desde 1994, quando o mundo atingiu o pico de capturas pesqueiras, a quantidade de peixes efetivamente pescados só tem diminuído. E as principais vítimas são justamente os mais nobres, como o atum-azul e o bacalhau -- no caso do primeiro, a população total da espécie decaiu 92% desde os anos 1950.
O grande problema relacionado à pesca intensiva desses animais é o nicho ecológico que eles ocupam -- eles são todos grandes predadores de crescimento lento, o que aumenta em muito a dificuldade de manter suas populações. Em termos terrestres, comer bacalhau ou atum seria como criar leões para fazer hambúrguer -- os bichos teriam de comer carne de vacas, as quais, por sua vez, precisariam de pasto. É um processo extremamente ineficiente.
Diversidade genética em baixa
Anos atrás, o cientista belga Émile Frison lançou o alerta de que a banana-nanica poderia desaparecer do planeta se os parasitas que afetam a fruta, como o fungo sigatoka-negra, não fossem combatidos urgentemente com novas técnicas. A situação, embora exagerada pelo pesquisador, é realmente grave. A banana é basicamente um clone, o que significa baixa variedade genética e maior vulnerabilidade a doenças. Embora outras plantas e animais domésticos não sejam clones, riscos parecidos os aguardam, especialmente porque sua variabilidade genética tem encolhido graças ao domínio de poucas raças e variedades comerciais.
Esse processo pode acabar se revelando um péssimo negócio para o Brasil, afirma Arthur Mariante, líder do projeto de conservação e uso de recursos genéticos animais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). "No caso das raças tradicionais de gado trazidas para o Brasil pelos portugueses e espanhóis, vamos perder 500 anos de seleção natural e adaptação às condições do nosso território", declarou Mariante ao G1.
Explica-se: embora os colonizadores não praticassem o melhoramento intensivo de raças, bichos como bovinos, ovinos e suínos, entre outros, assumiram características específicas para sobreviver nos ambientes das várias regiões do Brasil. Além de serem rústicas -- capazes de ganhar peso mesmo com alimentação não-reforçada e de resistir melhor a doenças --, as raças tradicionais também podem ser muito produtivas, diz o pesquisador da Embrapa.
Nicho de mercado
"A vaca curraleira [raça típica do Nordeste], por exemplo, produz um bezerro por ano, e isso durante décadas, enquanto raças européias ou os zebus precisam alternar", conta Mariante. "O caracu [bovino tradicional de São Paulo] muitas vezes bate outras raças em competições de ganho de peso."
"Essas raças certamente conseguiram achar um nicho ecológico aqui no Brasil. O que a gente precisa fazer agora é achar um nicho de mercado para elas", diz o pesquisador. Os produtores do Nordeste, por exemplo, costumam afirmar que poucas carnes se comparam, em sabor e maciez, à do gado curraleiro. O Brasil, embora seja um grande exportador de carne bovina, ainda fica atrás em termos de carne de alta qualidade, nicho que poderia ser suprido pelo curraleiro.
Outra possível saída para as raças tradicionais de suínos do Brasil, muito usadas no passado para a produção de banha, seria direcioná-los para a fabricação de presuntos finos, como os feitos hoje na Espanha e em Portugal. "Os consumidores europeus estão cada vez mais preocupados com o bem-estar animal, dando valor às carnes produzidas com os animais soltos. Os nossos suínos agüentam muito bem esse tipo de criação, enquanto as raças estrangeiras não. É um caminho interessante para valorizar essas raças", diz Mariante.
Mandioca a perigo
Não há sinais de que a mandioca, um dos alimentos mais populares do Brasil, vá sumir das mesas. No entanto, levantamentos feitos pelo biólogo Nagib Nassar, da Universidade de Brasília (UnB), mostram que recursos genéticos importantes para a planta estão sendo perdidos.
Nassar estuda os centros de diversidade dos parentes selvagens da mandioca, localizados no cerrado do Centro-Oeste brasileiro. Ele visita a região desde os anos 1970 e diz que pelo menos três espécies podem ter se extinguido. A perda é importante porque as formas selvagens da planta são mais rústicas e possuem teor mais alto de proteínas, vantagens que poderiam ser trazidas para a mandioca doméstica por meio de cruzamentos ou engenharia genética.
Em maior ou menor grau, o problema acontece com os parentes selvagens de boa parte das plantas utilizadas comercialmente, como o milho e o trigo.
(Reinaldo José Lopes, G1, 28/04/2008)