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crise da água gestão dos recursos hídricos
2008-04-28

A escassez de água está se tornando um problema de proporções globais. No mês passado, 2.000 agricultores na Índia foram presos por roubarem água; o governo regional da província espanhola da Catalunha anunciou que importará água por embarcações e trens a partir de maio para ser capaz de atender à demanda do verão; a Comissão de Água de Queensland, na Austrália, impôs aos seus consumidores as restrições mais rígidas até hoje ao consumo de água; e em Atlanta, no Estado da Geórgia, os moradores moveram um processo judicial contra a prefeitura devido aos problemas nas tubulações de água e nos sistema de esgoto da cidade.

Segundo o Instituto Mundial da Água, apenas 2,5% da água de superfície e subterrânea do planeta está acessível para o uso humano. Este recurso finito, mantido pelo ciclo hidrológico da Terra, é utilizado para tudo, desde as redes de água potável até os sistemas de saneamento, da agricultura aos processos industriais. Prejudicadas pelo uso excessivo, poluição e infra-estrutura ineficiente, bem como por fenômenos naturais como secas, as reservas de água para a humanidade estão chegando ao limite.

Em um relatório do mês passado, o banco de investimentos J.P. Morgan advertiu para o risco crescente que a falta de água representa para as companhias. O relatório incluiu dados do Instituto de Recursos Mundiais segundo os quais metade do planeta já enfrenta tensões referente à água, ou a deterioração qualitativa ou quantitativa dos recursos de água doce, ou mesmo a escassez de reservas.

O banco, ecoando numerosas entidades que acompanham essa questão, citou três fatores principais para o desequilíbrio entre oferta e demanda, incluindo o crescimento demográfico, a urbanização e a mudança climática. Segundo Antoine Frerot, diretor-executivo da Veolia Water, em Paris, todas as tecnologias e processos necessários para resolver o problema diretamente - transformando água de esgotos em água potável - estão disponíveis. "Essas tecnologias já existem. E a água usada está lá onde precisamos dela, rio abaixo, após as cidades. Isso evitaria o uso excessivo de água doce", afirma Frerot.

As prefeituras estão usando água intensamente tratada, recuperada de esgotos, para suplementar as suas reservas, e em alguns casos até para fornecê-la como água potável. Frerot diz que a Veolia construiu e opera uma estação de tratamento de esgoto em Cingapura que recicla água cinzenta, transformando-a em água suficientemente pura para ser bebida, mas que é utilizada pelos fabricantes locais de semicondutores. A empresa conseguiu uma façanha similar em Windhoek, a capital da Namíbia, onde uma usina de reciclagem de água usada fornece água potável a cerca de 250 mil pessoas.

Segundo Frerot, o problema não é uma falta de capacidade, mas sim de interesse. Até recentemente, a preocupação pública com a sustentabilidade das reservas de água era relativamente pequena, a não ser em algumas regiões áridas do globo. Mas em breve isto poderá mudar. Com base nos atuais níveis de consumo, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) calcula que até 2030, cerca de 47% da população mundial viverá em áreas sujeitas a graves problemas de abastecimento de água. Para a OCDE, cuja sede fica em Paris, a situação representa "um dos maiores desafios ao desenvolvimento humano do início do século 21".

Uma situação desafiadora, mas repleta de oportunidades. No decorrer dos próximos 20 anos os Estados Unidos deverão investir US$ 1,2 trilhão na reparação e modernização da sua infra-estrutura de fornecimento de água. Steve Albee, da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, afirma que esse dinheiro será utilizado para financiar os mais diversos projetos, como aqueles para a recuperação da água de esgotos, a reutilização de usinas de dessalinização e o uso de membranas avançadas para filtragem. "Esse deverá ser um período de mudança drástica na maneira como desempenhamos a nossa missão", afirma Allbee.

Ele diz que, embora as usinas de dessalinização sejam uma parte da equação, os planos de reaproveitamento de água de esgoto oferecidos pela Veolia estão começando a "ser adotados em grande escala" em cidades como Las Vegas e Los Angeles. Comparado às usinas de dessalinização, a reutilização da água requer menos energia e dólares, explica Allbee. "Nós fazemos isto há mais de 30 anos no norte de Virgínia - sei que é algo que pode ser feito com sucesso", diz ele.

A capacidade do setor para introduzir inovações com uma boa relação entre custo e benefício face a escassez iminente de água também está aumentando o interesse dos investidores. Stephen Hoffmann, economista especializado em recursos aquáticos e co-fundador dos Índices de Água Palisades (índices do mercado de ações elaborados para acompanhar o desempenho das empresas de tratamento e distribuição de água), afirma que "a visibilidade da indústria de água e o interesse por ela estão disparando".

Os índices Palisades acompanham a preocupação global com a água. Segundo Hoffmann, um dos índices aumentou mais de 145% de 2002 ao final do ano passado, e levou à criação de dois fundos de investimento em índice com cotas negociadas, o PowerShares Global Water e o PowerShares Water Resources. O fato de fundos como esse terem sofrido um declínio de até 10%, após atingirem um pico, quando a demanda por água é tão grande, pode parecer um paradoxo, tendo em vista o aumento do valor da água.

Hoffmann, que atua no setor há mais de 25 anos, e que também administra uma firma de private equity, a WaterTech Capital, atribuiu este desempenho sofrível a um declínio amplo nos mercados globais de equity, o que, segundo ele, interrompeu temporariamente um aumento esperado. Mas ele sustenta que o fenômeno durará pouco tempo. Hoffman estima que a água gere lucros anuais de US$ 400 bilhões, representando uma das maiores indústrias do planeta.

Segundo ele, um erro comum é alguns investidores iniciantes enxergarem a água como uma commodity semelhante ao petróleo. Embora ambos sejam recursos naturais, não existe nenhum mecanismo padronizado para determinar o preço do metro cúbico de água, ao contrário do que acontece com o barril de petróleo. Como conseqüência, os valores neste mercado muitas vezes têm um teto e variam baseados mais na vontade política do que na escassez, afirma Hoffmann.

Entre os fatores que afetam o preço estão a demanda, o transporte e os custos de tratamento, bem como os subsídios dos preços - que às vezes representam até 40% ou 50% do custo total. "Se a água fosse uma commodity de verdade, como o petróleo, o preço dela seria mais semelhante ao custo marginal de fornecimento, incluindo a escassez e fatores de ordem ecológica", diz Hoffmann. Embora algum dia a água possa ser comercializada como petróleo, por ora os especialistas concordam que é mais apropriado vê-la como um investimento de infra-estrutura. Sob esta ótica, os investidores contam com muitas opções que oferecem diversos graus de exposição à demanda global por este recurso.

Esse dinheiro é destinado a um amplo universo de setores preocupados com o abastecimento, que inclui empresas tradicionais de tratamento e distribuição de água, como a United Utilities, do Reino Unido, a Suez, da França, e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, no Brasil, bem como várias multinacionais, como a General Electric e a Dow Chemical, ambas com sede nos Estados Unidos.

Os investidores que se aprofundarem nesse setor encontrarão fabricantes de equipamentos de infra-estrutura como a Kurita Water Industries, em Tóquio, e a Geberit, na Suíça, bem como inovadores técnicos menos conhecidos. Neste ramo encontram-se companhias como a Halma, do Reino Unido, que desenvolve sensores capazes de detectar vazamentos em tubulações defeituosas de água e esgoto; a Aqua Dyne, da Austrália, que está comercializando um sistema de purificação de água recentemente adquirido da Global Power & Water dos Estados Unidos; e a H2O Innovation, do Canadá, uma criadora de tecnologias de resíduos ativados e bio-reatores de membrana para tratamento de água e esgoto.

E há ainda companhias integradas como a Veolia e a Hyflux, que ganham dinheiro em vários pontos ao longo da rede de serviços. A Hyflux, com sede em Cingapura, não só constrói e opera estações de tratamento de água, mas também desenvolve tecnologias, incluindo membranas de filtragem essenciais para processos de dessalinização e tratamento de esgoto. De acordo com Sam Ong, vice-diretor-executivo e diretor de finanças da Hyflux, a empresa já é muito importante na China, onde possui cerca de 40 estações de tratamento. Na semana passada a companhia anunciou ter vencido a licitação para um projeto de dessalinização de água do mar por osmose reversa na Argélia.

A fim de maximizar os lucros gerados por tais concessões, a companhia deu um passo além em dezembro do ano passado, com a oferta pública de ações da Hyflux Water Trust na Bolsa de Valores de Cingapura. O valor e a disponibilidade de concessões como as que são buscadas pela Hyflux podem crescer exponencialmente devido a dois fatos: medidas reguladoras mais rígidas e um reajuste dos preços. Executivos da indústria, como Ong, vêem com bons olhos a adoção de medidas reguladoras mais rígidas para a água e o saneamento. Ele cita a China, onde atualmente 70% da água precisa ser tratada e 60% reciclada - algo que, segundo ele, estimula as concessões para novas estações de tratamento.

Quanto às mudanças de preços, após anos de consumo de água altamente subsidiado, prefeituras diversas, em regiões tão distintas como Osaka e Los Angeles, estão cogitando planos para a adoção de preços progressivos para a água e o saneamento. Embora exista uma tendência geral à manutenção do acesso universal aos serviços básicos de tratamento e distribuição de água a custo baixo ou nulo, todos os outros tipos de serviço - seja um sistema de irrigação de jardim doméstico ou de processamento de água para um fabricante de semicondutores - estarão sujeitos a taxas com base na quantidade de água consumida.

Um relatório publicado em março de 2007 pelo Instituto de Políticas da Terra revelou que as taxas municipais referentes à água aumentaram 27% em um período de cinco anos nos Estados Unidos, 32% no Reino Unido, 45% na Austrália, 50% na África do Sul e 58% no Canadá. Companhias de ações públicas como o grupo Danone da França passaram a utilizar avançados processos de tratamento de água usada alguns anos atrás, como forma de reduzir os níveis de consumo, e, dessa forma, reduzir a sua vulnerabilidade a racionamentos de água potencialmente prejudiciais às suas atividades, enquanto ao mesmo tempo melhoraram a sua imagem corporativa.

De acordo com Jean-Pierre Rennaud, diretor de meio ambiente da Danone, atualmente todas as fábricas da empresa tratam a água que usaram. A companhia, uma grande produtora de laticínios e água engarrafada, já reduziu em 30% o seu consumo de água.

Meena Palaniappan, pesquisador e diretor de projetos do Pacific Institute, um grupo de pesquisas de Oakland, na Califórnia, afirma que os aumentos de preço - embora sejam complicados de se fazer cumprir - estão conquistando amplo apoio entre os elaboradores de políticas públicas, prefeituras e setores industriais. Os aumentos ajudam a cobrir os custos da infra-estrutura e promovem um maior envolvimento da iniciativa privada, além de, ao mesmo tempo, aumentarem a consciência da população em relação ao valor da água.

Citando a recente ruptura de uma tubulação central em Chicago, Palaniappan diz: "A menos que uma tubulação central estoure, as pessoas não pensam muito a respeito da água. É fácil não dar importância a ela, porque atualmente, para obtê-la, é só abrir a torneira".

(Por Holly Hubbard Preston, International Herald Tribune, tradução UOL, 26/04/2008)

 


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