A recente alta nos preços dos produtos agrícolas foi motivada por uma série de fatores conjugados e se tornou uma crise mundial. O maior temor, além da falta de suprimentos, é que crescam as revoltas populares pela falta de comida, o que já foi registrado em diversos países, como Haiti, Indonésia, Camarões e Egito. Nesse sentido, diversas instituições internacionais já de manifestaram, como ONU, Banco Mundial, FMI e Bird, por exemplo.
Entenda os principais motivos que desencadearam a crise:
Desenvolvimento global - A longa fase de prosperidade mundial, com especial força nos países emergentes, fez crescer significativamente o consumo de alimentos no mundo. Antes de se iniciar a atual crise de crédito nos Estados Unidos, o mundo não passava por uma crise financeira com dimensões globais desde o final da década de 1990.
Assim, os seguidos anos de calmaria deram condições para que o comércio exterior disparasse, o que gerou renda nos países mais pobres --estas nações são referência histórica tanto na produção de matérias-primas como para base de empresas multinacionais. Com mais dinheiro no bolso, a população desses países, entre eles Brasil e China, passou a consumir mais, sendo que os alimentos foram os primeiros produtos a terem seus consumos elevados, causando um descompasso entre oferta e demanda.
População - A população mundial está em franca expansão. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), passará de 6,5 bilhões de pessoas em 2005 para 8,3 bilhões em 2030 e 9 bilhões em 2050. O efeito do aumento do número de pessoas que se alimentam ganha ainda mais peso porque a maioria delas nasce na Ásia e na África, onde o consumo de alimentos cresce em ritmo mais rápido devido ao desenvolvimento econômico desses continentes.
Secas - Alguns dos principais produtores mundiais de alimentos, como o Brasil e a Austrália, passaram recentemente por fortes secas que atingiram a produção. Na Austrália a seca já perdura por seis anos, enquanto que o Brasil e o Leste Europeu tiveram problemas entre 2005 e 2006. Com a quebra de safra nesses países, os estoques foram reduzidos e agora estão perigosamente baixos devido ao aumento no consumo.
Petróleo - Assim como os alimentos, os preços de outras commodities (matérias-primas) também estão em alta. É o caso do petróleo. O produto está com seu preço em níveis recordes, o que causa impacto em toda a cadeia de produção e distribuição de alimentos. Quase todas as fazendas usam óleo diesel para movimentar as máquinas, e os fertilizantes possuem também diversos componentes vindos do petróleo. Além disso, o combustível mais caro eleva o preço do transporte dos alimentos para os centros consumidores, elevando o preço final da comida.
Especulação financeira - Quase todos os principais alimentos possuem mecanismos financeiros de compra e venda em um prazo pré-determinado, o que é chamado de mercado futuro. Nos últimos meses, os preços dos alimentos no mercado futuro dispararam devido à entrada de muitos investidores neste tipo de investimento. Eles apostam exatamente que estes preços irão crescer. Se isso ocorre, eles lucram, já que poderão vender o que têm a valores maiores do que o investido inicialmente.
Enfraquecimento do dólar - O dólar é a moeda usada para a cotação das commodities agrícolas em quase todos os principais mercados futuros. Como a moeda americana está em níveis históricos de queda ante outras moedas fortes, como o euro, os investidores forçam a alta do preço dos alimentos no mercado futuro para "compensar" essa desvalorização.
Alta nos custos - A produção de carnes em geral recebe duplo impacto. Seus custos disparam não só pela alta do petróleo, mas pela própria alta no preço dos alimentos, já que alguns deles --em especial o milho-- são usados na ração dos animais.
Biocombustíveis - Diversas entidades, como a ONU (Organização das Nações Unidas) e o FMI (Fundo Monetário Mundial), reclamam do desvio de parte da produção agrícola para a produção de biocombustíveis. O resultado, segundo eles, é que a oferta cai ainda mais em um momento de alta na demanda, causando a elevação dos preços. O caso mais criticado é o do milho, usado nos Estados Unidos para a produção de álcool, que levou à disparada do preço do produto no mercado internacional já no ano passado. Também criticam a substituições de lavouras tradicionais pelas de cana-de-açúcar, em um ataque direto ao Brasil --principal exportador de álcool do mundo e que usa a cana-de-açúcar para extrair o produto.
Travamento às exportações - Diante do risco de desabastecimento, grandes países produtores de alimentos estão impedindo a exportação, agravando o cenário nos países importadores. Os casos mais recentes foram vistos com o trigo argentino e o arroz indiano e vietnamita.
(Folha Online, 26/04/2008)