Assisti, na PUC-Rio, ao “II Seminário de mudanças climáticas”. As palestras, naturalmente, discorreram sobre as fontes de gases do efeito estufa, políticas a adotar, fontes alternativas de energia e outras questões relacionadas ao tema. Todas muito boas. Mas, como quase sempre ocorre, os conferencistas mal arranharam as causas desse e de outros graves desafios ambientais. Tais causas são o crescimento demográfico e o da economia global. Esses dois fatores atuam em sinergia, ampliando vertiginosamente seus efeitos danosos.
Embora não seja tecnicamente recomendável analisá-los separadamente, pretendo comentar, neste artigo, basicamente a questão do crescimento econômico. Este, obviamente, não vai parar numa perspectiva de tempo curta e, menos ainda, por vontade da sociedade. As pessoas, em geral, aspiram por um conforto material e padrões de consumo crescentes. Elas tendem a comprar quaisquer gadgets oferecidos pela indústria, por mais supérfluos e inúteis que possam ser (a esmagadora maioria). Contudo, o crescimento econômico permanente é absolutamente insustentável. Isso é um fato científico irrecorrível.
Para todo e qualquer mal social e econômico, economistas, políticos e quejandos prescrevem o remédio da expansão da economia. Condenar o crescimento econômico soa como um despautério, um delírio. Poucos parecem compreender que isso não é um fenômeno natural e inevitável. Recursos limitados não podem sustentar crescimento ilimitado. Opor-se ao dogma do aumento contínuo da produção e do consumo é apenas uma postura inteligente para se evitar um futuro colapso, inescapável e doloroso.
A Ciência, assim como a Lógica, fornece os fundamentos necessários à compreensão do que defendo. De início, abordarei o assunto pela Matemática. Crescimento, no mundo natural, nunca é linear, mas sim exponencial. Vou citar um exemplo clássico (Meadows et al.): imaginemos que um lago contenha uma espécie de alga que, ao cobrir toda a superfície do corpo d’água, sufocará a vida nele existente. A comunidade de algas dobra de tamanho a cada dia. Suponhamos que, em 30 dias, as algas tomarão o lago todo. No 21º dia, as algas cobrem tão somente 0,2 % da superfície (menos de 0,0001% no 10º dia). Em apenas mais oito dias, já terá coberto a metade e, no dia seguinte, o lago estará completamente tomado pelas algas, eliminando o oxigênio disponível da água.
Isso é o que acontece com o crescimento da população e da economia. Estima-se que a população humana, no início da era cristã, somava cerca de 250 milhões de indivíduos. Pouco mais de 1500 anos depois (15 séculos!), esse montante havia dobrado para 500 milhões. Apenas entre 1960 e 1999, o quantum demográfico escalou de 3 bilhões para 6 bilhões! Em somente 39 anos (versus mais de 1500 anos), acrescentou-se três bilhões de pessoas no mundo (versus 250 milhões), com um padrão de consumo individual imensamente maior do que há 500 anos. Isso é crescimento geométrico e é assim que as coisas ocorrem no mundo real.
Quanto à economia, basta um exemplo de como funcionam os mecanismos de retroalimentação positiva. A economia mundial produziu aproximadamente 7 trilhões de dólares de bens e serviços em 1950 (em dólares de 2006), ou seja, levou todo o tempo da história humana para alcançar esse montante. Em termos históricos, 1950 foi ontem. Entre 2003 e 2007 (tão somente 4 anos!), a economia mundial cresceu US$ 7,7 trilhões. Graficamente, comporta-se como uma curva que tende ao paralelismo com o eixo das ordenadas; portanto explosiva, insustentável.
Sob a ótica da Física, a Teoria dos Sistemas (ou Teoria do Caos) e a Termodinâmica, mais especificamente a 2ª Lei, dão suporte a essa argumentação. Toda e qualquer transformação de matéria e energia – sinônimo de expansão econômica – eleva a temperatura do sistema. Um sistema ( ou sub-sistema) com temperatura elevada tem uma entropia maior do que a de um com baixa temperatura. A entropia é uma medida de desordem de um sistema (tendendo ao colapso). As crescentes conversões de materiais e energia em bens e serviços da sociedade de consumo estão inequivocamente aumentando a entropia do planeta. Ou seja, aumentando a desordem do sistema Terra, representada pela degradação do ambiente natural. Esta lei é tão imutável quanto a Lei da Gravidade...
Indiscutivelmente, os limites do crescimento são impostos pela finitude de matérias-primas e energia, em uma ponta, e pela capacidade restrita do planeta em processar os rejeitos (poluição) na outra. É ingenuidade supor-se que a tecnologia poderá, um dia, promover perda zero, ou poluição zero. Embora ninguém saiba quais são esses limites, diversos indicadores revelam que a civilização humana já os teria ultrapassado. Estamos explorando mais de uma Terra.
Não se irá resolver os enormes problemas ambientais tratando-se os sintomas. É fundamental atacar as causas. A sociedade humana, portanto, deve começar a se preparar para a estabilização das atividades econômicas (provavelmente a um nível inferior ao atual). Será necessário adaptar-se as estruturas socioeconômicas a isso, porque o crescimento zero virá, mais dia, menos dia, e de forma muito mais dramática se não for por iniciativa da sociedade humana. Cabe a nós decidir se o crescimento cessará por bem ou por mal...
(Por Carlos Gabaglia Penna,
O Eco, 23/04/2008)
* Carlos Gabaglia Penna é professor da Engenharia Ambiental da PUC-Rio, diretor técnico do Comitê Brasileiro do PNUMA e conselheiro do IPÊ e de outras ONGs ambientais.