O engenheiro Adílson de Oliveira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, já viveu -e estudou- diversas crises energéticas. Foi consultor do Banco Mundial, da Organização dos Estados Americanos e da Eletrobrás. Quando a polêmica entre Brasil e Paraguai sobre a energia de Itaipu ganhou força, Oliveira "desengavetou" um antiga proposta: um tratado de segurança energética entre os países sul-americanos. (ROBERTO MACHADO)
FOLHA - O Paraguai reivindica aumento no preço da energia de Itaipu. Autoridades do setor elétrico brasileiro dizem que o preço é justo. Mas, no governo, há quem admita negociar. Quem tem razão?
ADÍLSON DE OLIVEIRA - O argumento de que o Brasil financiou a obra e durante anos comprou energia de Itaipu sem necessidade é verdadeiro e legítimo. Os paraguaios têm um argumento: a energia tem preço menor do que o de mercado, cerca de R$ 70 por MWh. Veja as usinas do rio Madeira. Na melhor das hipóteses, a energia de Santo Antônio [o leilão para construir a usina ocorreu em dezembro] sairá por R$ 79 por MWh, sem a transmissão.
FOLHA - Mas o argumento das usinas do Madeira não pode ser usado contra o Paraguai? Em Santo Antônio, o preço ficou abaixo do que os analistas previam.
OLIVEIRA - Mas, para Jirau, está se falando de R$ 90 por MWh [a segunda usina do Madeira será leiloada em maio]. Contratos de longo prazo exigem preços de longo prazo. Para mim, os paraguaios estão olhando para os últimos leilões de energia realizados aqui, em que a energia foi vendida a R$ 115, R$ 120 por MWh. Mas são preços de curto prazo.
FOLHA - Como o senhor avalia o comportamento do governo?
OLIVEIRA - Considero a posição do ministro [Celso] Amorim [das Relações Exteriores, que considerou justa a reivindicação paraguaia] muito equilibrada. O petróleo disparou para patamares absurdos, e os países produtores de energia tentam aumentar preços. Há possível pressão da Argentina, que quer ter acesso à energia de Itaipu. É preciso conversar.
FOLHA - Conversar todos? Brasil, Paraguai, Argentina...
OLIVEIRA - Isso. Não apenas preço, não é negociação de padaria. Precisamos de energia, de estabilidade de preços em relação ao petróleo. Essa é uma negociação que precisa ser feita de forma multilateral, no continente. Entram aí também Chile, Uruguai, Bolívia. Precisamos de um tratado de segurança energética para a região.
FOLHA - Na prática, como funcionaria o tratado?
OLIVEIRA - Minha proposta é que se estabeleçam regras de acesso a reservatórios. Brasil e Paraguai têm água. Bolívia e Argentina, gás. Teríamos regras para problemas emergenciais, prevendo pagamento aos países fornecedores. O Brasil é o único país que pode levar à frente essa proposta.
FOLHA - Por quê?
OLIVEIRA - Só o Brasil pode financiar grandes obras, com o BNDES. Tem tecnologia, para construir grandes barragens e instalações de petróleo e gás. E concentra as maiores empresas de engenharia.
(Folha de São Paulo, 25/04/2008)